Título: Tendência do dólar é de queda abaixo dos R$ 2
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Fonte: Valor Econômico, 05/04/2007, Opinião, p. A14

O dólar voltou a mergulhar diante do real e está perto de cair abaixo dos R$ 2. A desvalorização da moeda americana, na ausência de mudança do mix de política monetária e fiscal, é inexorável no curto prazo. O Brasil se aproxima mais do "grau de investimento" para seus títulos, o que, junto com a evidente melhoria da maioria dos indicadores relevantes para os investidores externos, atrairá um fluxo ainda maior de divisas externas para o país.

Dois fatos melhoraram a percepção dos investidores externos sobre o Brasil e deram início a nova onda de desvalorização do dólar. Os novos números do Produto Interno Bruto mostraram que o país, embora ainda na lanterna dos emergentes, cresceu mais do que parecia e que o governo deve menos do que se pensava, como proporção do PIB. À leitura positiva dos indicadores seguiu-se anteontem a colocação de US$ 500 milhões em títulos do Tesouro, com vencimento em 2017, à menor taxa da história: 5,888%, apenas 122 pontos-base acima dos do Tesouro americano. As perspectivas para o ano, salvo tempestades externas, são ainda mais positivas. O crescimento vai se acelerar e deve ultrapassar 4%. As contas externas serão superavitárias pelo quarto ano consecutivo. Com um menor esforço fiscal, da ordem de 3,8%, o governo federal poderá reduzir a relação dívida pública-PIB, de 44,9% em 2006.

A maré montante de dólares vem de todos os lados. O saldo comercial, em lento declínio, acumula US$ 45 bilhões em 12 meses. Os fluxos cambiais foram positivos no primeiro trimestre e maiores nos últimos dois meses. Em fevereiro, atingiu US$ 6,97 bilhões, em março US$ 6,64 bilhões e, no trimestre, US$ 17,39 bilhões. Os investimentos externos diretos, seduzidos por novas áreas em expansão, como etanol e construção, já estão perto da magnitude atingida no período das privatizações (1997-2001), embora as remessas de lucros e dividendos tenham também dado saltos.

Além disso, há o dinheiro atraído pela maior taxa real de juros do mundo, que não se traduz sempre no ingresso de divisas, mas em apostas em mercados de balcão de derivativos no exterior, sem registro contábil, e na BM&F. Ambas influenciam diretamente as cotações à vista. Em março, havia cerca de US$ 14,5 bilhões em posições contra o dólar vis-à-vis o real. Os juros brasileiros permitem ganhos polpudos ao investidor atrás de maior rentabilidade com maior risco e dão munição para especulações lucrativas contra a moeda brasileira.

Como resultado, o dólar já se desvalorizou no ano até anteontem 4,68%, mais da metade dos 8,66% de todo o ano passado, embora o Banco Central tenha acelerado significativamente suas compras. Foram adquiridos, estimam operadores, algo em torno de US$ 20 bilhões, ante os US$ 34 bilhões que foram parar nas reservas no ano passado inteiro. No dia 3 de abril as reservas internacionais eram de US$ 109,8 bilhões.

Um dos efeitos esperados foi o salto das importações, que aumentaram 27% no ano, ante os 18% das exportações. O volume exportado caminha para crescimento zero, mas os preços de manufaturados e das commodities continuam subindo. Para reequilibrar o câmbio, é vital a queda do saldo comercial, mas ela tem sido lenta até agora. Os setores intensivos em mão-de-obra têm sido mais prejudicados, segundo recente estudo do BNDES, embora a penetração de importados na indústria de transformação não ultrapasse 5,5% - baixa em termos internacionais - e seja de 12% no setor têxtil e 6% em vestuário e calçados.

No atual jogo de forças, a tendência do dólar é afundar. A queda mais rápida dos juros diminuiria o custo de carregamento das reservas, desestimularia ganhos de arbitragem e reduziria o custo de capital, dando fôlego a empresas que competem com os importados. A taxa de 5,88% dos títulos vendidos pelo Tesouro é compatível com uma Selic de 9,6%, nível para o qual a taxa básica de juros poderia convergir sem risco de pressão inflacionária via forte depreciação do real. No curto prazo, o governo teria de colocar rédea curta nos gastos, não só para permitir que os juros caiam sem aceleração inflacionária, mas também para reduzir impostos, dando alento competitivo às empresas. O déficit nominal zero parece agora mais próximo e deveria ser perseguido. As chances de queda mais rápida de juros ou de aperto nos gastos são, porém, remotas.