Título: A Lei nº 11.457 e os créditos trabalhistas
Autor: Pereira, Danilo Pieri
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2007, Legislação & Tributos, p. E2

A Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, promete instituir o conceito de "super-arrecadação" na Justiça do Trabalho. Trata-se de um reflexo já esperado da criação da chamada Super-Receita, surgida quando da edição da Medida Provisória nº 258, de 2005, que tratou da transferência, para a União, da administração das contribuições sociais ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e parte do patrimônio da Previdência Social. Com a criação da Super-Receita, o INSS passou apenas a gerir os benefícios previdenciários.

Desde 1998, com a edição da Emenda Constitucional nº 20, a Justiça do Trabalho já detinha competência para executar as contribuições previdenciárias resultantes de acordos e das decisões por ela proferidas. Agora, com a unificação dos caixas, a competência executória aparentemente passa a se estender também ao Imposto de Renda (IR) decorrente de créditos judiciais trabalhistas.

A medida provavelmente aumentará a angariação de fundos ao fisco, reproduzindo o salto arrecadador decorrente da ampliação da competência da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições previdenciárias. Para se ter uma idéia, em 2003, quando os primeiros resultados da ampliação de competência ainda começavam a aparecer, a arrecadação de INSS foi de cerca de R$ 600 milhões. Três anos depois, em 2006, os mesmos cofres contabilizaram créditos para a autarquia da ordem de mais de R$ 1 bilhão.

Antes de 1998, a execução das contribuições previdenciárias resultantes de créditos trabalhistas dependia da iniciativa do INSS e fora do processo do trabalho, no qual apenas se discutia direitos de empregados e empregadores. Até então, a Lei nº 8.620, de 1993, apenas obrigava o juiz a "velar pelo recolhimento das referidas contribuições, sob pena de responsabilidade pessoal". Entretanto, qualquer execução deveria ser feita por iniciativa do INSS, no âmbito da Justiça Federal, conforme artigo 109, inciso I da Constituição Federal.

Assim, não é difícil compreender o porquê de a Justiça do Trabalho ter sido rotulada por alguns de "órgão complementar de arrecadação de contribuições previdenciárias". Parece que, com a criação da Super-Receita, abre-se a possibilidade de que ela se torne também um órgão complementar de arrecadação de tributos em geral.

É que nova lei, que entra em vigor no dia 2 de maio, inclui os parágrafos 5º, 6º e 7º no artigo 832 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e altera a redação do parágrafo 4º, substituindo-se a previsão de intimação do INSS acerca de decisões e homologação de acordos pela intimação diretamente da União. Substitui-se também o termo "contribuição previdenciária" pela locução "tributos".

-------------------------------------------------------------------------------- Com a Super-Receita, há a possibilidade de a Justiça do Trabalho se tornar um órgão complementar de arrecadação de tributos --------------------------------------------------------------------------------

Ocorre que o termo "tributo" é gênero que engloba as espécies "taxas, impostos e contribuições", de forma que, aparentemente, a intenção foi a de, aproveitando a criação da Super-Receita, estender a competência de execução do juiz do trabalho também para o Imposto de Renda.

Discutível, porém, é a constitucionalidade da inovação, tendo em vista que o artigo 114, inciso VIII da Constituição Federal, incluído em 1998 com a edição da Emenda Constitucional nº 20 (com alteração dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004), é expresso em limitar a competência da Justiça do Trabalho à execução apenas das contribuições previdenciárias, ou seja, não há, ao menos do ponto de vista constitucional, a possibilidade de execução de qualquer outra modalidade de tributo dentro do processo trabalhista.

Outra novidade é que por força do parágrafo 5º do artigo 532 da CLT, a União passa também a poder recorrer das sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho no que tange à discriminação da natureza das parcelas constantes da condenação. Via de regra, parcelas de natureza salarial (como horas extras e comissões habituais) geram tributos (impostos e contribuições previdenciárias) e parcelas de natureza indenizatória (exemplificativamente, um reembolso de despesas), não os geram.

Visando resguardar os interesses da União, outra novidade é que a lei prevê expressamente que acordos celebrados entre empregado e empregador após a existência de uma decisão definitiva no processo não poderão prejudicar quaisquer dos créditos da União. Em outras palavras, caso o trabalhador ganhe uma indenização por danos morais e diferenças a título de horas extras, não poderá renunciar a estas ou, se o fizer, as partes deverão garantir que os tributos resultantes dessa parcela sejam regularmente recolhidos.

A Medida Provisória nº 359, de 2007, que também entra em vigor no dia 2 de maio, revoga o artigo 44 da Lei nº 8.212, de 1991, que instituiu o plano de custeio da Previdência Social. Com isso, os juízes deixarão de oficiar o INSS acerca de suas decisões e a comunicação se fará exclusivamente com a União.

Como já era de se esperar, a Super-Receita traz profundas implicações no crédito do trabalhador e na execução de tributos. Vale salientar que o Imposto de Renda resultante de créditos trabalhistas é abatido do crédito devido pelo empregador ao empregado e recolhido à Receita Federal. Já as contribuições previdenciárias são devidas por ambos os atores sociais e, agora, recolhidas também diretamente à União.

No meio de mudanças tão expressivas, uma coisa é bastante provável: um aumento ainda maior no volume de recursos nos tribunais trabalhistas brasileiros, um problema cuja solução não parece muito próxima de ser alcançada. Ou seja, para quem espera e luta por uma Justiça do Trabalho rápida, o governo ainda parece caminhar na contramão.

Danilo Pieri Pereira é advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados

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