Título: Os novos líderes asiáticos
Autor: Pilling , David
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2013, Opinião, p. A11

Os três gigantes do Nordeste da Ásia escolheram novos líderes, em rápida sucessão. Xi Jinping foi indicado em novembro como herdeiro do poder na China. Shinzo Abe ganhou um segundo governo no Japão. E, na quarta-feira, os sul-coreanos elegeram uma nova presidente. Se também levarmos em conta Kim Jong-un, que assumiu a liderança da Coreia do Norte após a morte do pai em 2011, são quatro novos líderes em uma das regiões mais tensas do planeta. O potencial para atitudes diplomáticas temerárias - ou algo pior - é grande.

Como que para marcar a possibilidade de tempos mais perigosos à frente, Kim, o líder com rosto de bebê no comando em Pyongyang, celebrou esse carnaval regional de eleições, indicações e sucessões dinásticas da única forma que ele sabe: lançou um míssil de longo alcance. No dia seguinte, os militares chineses, agora oficialmente sob controle de Xi, lançaram uma aeronave de reconhecimento em incidente que Tóquio apontou como a primeira violação do tipo em seu espaço aéreo desde 1958.

Sob o jardim diplomático da Ásia repousa a carcaça de uma história marcada por questões não resolvidas. A memória de guerra e colonialismo não está só à espreita de cada um desses confrontos. Também está encarnada nos líderes que agora comandam esses países

Sob o jardim diplomático da Ásia repousa a carcaça apodrecida de uma história marcada por questões não resolvidas. A memória de guerra e colonialismo não está simplesmente à espreita de cada um desses confrontos. Também está encarnada nos próprios líderes que agora comandam esses países.

Kim é neto de Kim Il-Sung, o reverenciado fundador da Coreia do Norte, cujo culto à personalidade explica-se por seu suposto papel decisivo na liberação da península das mãos colonialistas japonesas.

Xi é filho de Xi Jinping, herói revolucionário do Partido Comunista, cuja legitimidade é ancorada em sua luta para tirar os japoneses da China.

Abe é neto de Nobusuke Kishi, que foi ministro na época da Segunda Guerra Mundial e ajudou a administrar a Manchúria ocupada pelos japoneses.

É uma forte composição familiar. Filhos e netos estão assumindo conflitos de seus ancestrais.

Park Geun-hye, candidata de centro-direita que venceu na quarta-feira as eleições presidenciais na Coreia do Sul vai se somar a esse triunvirato. Ela também traz consigo ecos do passado. Park é filha de Park Chung-hee, o líder autoritário que governou a notável ascensão econômica da Coreia do Sul, desde o golpe de estado em 1961 até seu assassinato em 1979. O liberal Moon Jae-in, derrotado nas eleições, é filho de um refugiado norte-coreano e havia sido preso, quando estudante, pelo regime autoritário de Park.

As relações bilaterais entre as quatro nações são amargas e imprevisíveis, para dizer o mínimo. Três relações, em particular, precisam ser observadas de perto.

A primeira é a relação entre Seul e Pyongyang. Os laços deterioraram-se gravemente sob o governo do presidente sul-coreano, Lee Myung-bak, em fim de mandato, que adotou uma política linha dura contra a Coreia do Norte, em contraste com a suave política "raio de sol" de seus antecessores. A resposta do norte foi intensificar a agressividade. Pyongyang afundou um navio de guerra da Coreia do Sul matando 46 marinheiros e fez disparos de artilharia em ilhas sul-coreanas. Fez um segundo teste de armas nucleares. A política de Lee é vista, amplamente, como tendo fracassado. A política "raio de sol", no entanto, trouxe poucos benefícios - e também viu a realização de um teste nuclear.

Ainda assim, espera-se que Park adote uma posição menos rígida. Ela poderia perfeitamente levar a cabo algo do tipo "Nixon na China", valendo-se de suas credenciais nacionalistas como cobertura para uma maior flexibilidade. Não importa o que Seul faça, no entanto, poucos acham que Pyongyang interrompa seu programa nuclear.

A segunda relação potencialmente complicada é a da Coreia do Sul com o Japão. Lee iniciou seu mandato há cinco anos de modo conciliador. Os dois lados assinaram um acordo de troca de moedas e cogitaram um acordo de comércio bilateral. Encorajados por Washington, chegaram perto de assinar acordo sobre o compartilhamento de inteligência militar. Então, a história interveio. Lee convenceu-se de que o Japão não estava olhando para o passado de forma apropriada. Ele visitou às ilhas Dokdo, controladas pela Coreia do Sul, mas que são reivindicadas pelo Japão, onde são conhecidas como Takeshima. Ele sinalizou que se o imperador japonês quisesse visitar a Coreia do Sul, primeiro deveria se desculpar pela guerra.

Com Abe no comando, as relações poderiam piorar ainda mais. Ele contesta que o Exército Imperial do Japão tenha sequestrado escravas sexuais da Coreia do Sul em grande escala. Se ele reformular as desculpas de Kono em 1993 sobre a questão, as opiniões na Coreia do Sul poderiam ficar inflamadas. Washington deseja que seus dois grandes aliados na região cooperem, em especial em questões de segurança. Poderá decepcionar-se.

A mais volátil de todas é a relação entre China e Japão. O motivo mais recente é a disputa pelas ilhas de Senkaku, não habitadas e controladas por Tóquio, mas reivindicadas por Pequim, que as chama de Diaoyu. A China sustenta que o Japão roubou as ilhas na década de 1890 e deveria tê-las devolvido com o fim da Segunda Guerra Mundial. O Japão sustenta que as ilhas eram "terra nullius" quando as encontrou e que, desde então, são japonesas. Pequim quer as ilhas como parte do que vê como uma recuperação por humilhações históricas. Estrategicamente, quer romper a "primeira cadeia de ilhas", para que sua Marinha possa navegar livremente pelo Pacífico.

Ódios históricos profundos são ainda mais preocupantes. A China mostra sinais de querer espremer o Japão até ver o país reclamar. Abe quer romper a constituição pacifista do Japão e ensinar às crianças que seu país não deveria ser tratado e criticado de forma diferente por causa da guerra. Ele quer aumentar os gastos militares. Ele tem até um assessor que diz que o Japão poderia vencer uma guerra naval contra a China se houvesse uma. O Nordeste da Ásia não se mostrava tão assustador há muitos anos. (Tradução de Sabino Ahumada).