Título: EUA evitam abismo fiscal, mas não reduzem o déficit
Autor: Wessel , David
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2013, Internacional, p. A7

O acordo aprovado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados dos Estados Unidos sobre o déficit no orçamento federal do país representa, na melhor das hipóteses, um intervalo confuso na saga do abismo fiscal. Não há heróis. Há um certo alívio, mas nada a se comemorar. Nada de grandioso aconteceu.

O pacote de medidas negociado com o governo e aprovado depois de tensas negociações no Congresso inclui desde o primeiro grande aumento de impostos em 20 anos à renovação de uma isenção fiscal para os lucros auferidos por empresas na Samoa Americana.

Mas contemplemos três grandes questões econômicas: o que o acordo, nos moldes aprovados pelo Senado e a Câmara, faz para reduzir o déficit nos próximos anos, supostamente a grande meta do projeto de lei? O que ele faz no sentido de ajudar a economia a acelerar um ritmo de crescimento dolorosamente lento? E o que faz para reduzir a tão alardeada incerteza?

- O déficit. Basicamente, o acordo faz algo, mas não muito, para reduzir déficits futuros. E não faz nada para controlar os gastos públicos. Por ambas as razões, o pacote enfrentou a oposição de alguns republicanos na Câmara.

Para evitar que a dívida do governo americano subisse ainda mais como proporção do Produto Interno Bruto, Washington iniciou 2011 precisando de cerca de US$ 4 trilhões em cortes de gastos e aumentos de impostos, de acordo com estimativas da Comissão do Orçamento do Congresso.

O Congresso e o presidente Barack Obama avançaram US$ 1 trilhão nessa direção em agosto de 2011, definindo tetos de endividamento para o terço dos gastos federais designado anualmente, presumindo que esses tetos fossem obedecidos.

Com isso, ficam faltando US$ 3 trilhões. Passando pela renovação de incentivos fiscais que ninguém esperava que vencessem, esse acordo coloca outros US$ 600 bilhões na direção da meta ao aumentar os impostos cobrados dos americanos de alta renda. Não há novos cortes de gastos nesse acordo. Ele não faz nada para reduzir o crescimento dos gastos federais com saúde ou outros benefícios, ou para reforçar os alicerces financeiros da previdência do país.

O Comitê para um Orçamento Federal Responsável, uma organização suprapartidária antidéficit, diz que a dívida federal americana, que já alcança cerca de 73% do Produto Interno Bruto (o valor de todos os bens e serviços produzidos na economia), estava a caminho de subir para 81% do PIB até 2022, caso o Congresso prorrogasse todos os cortes de impostos que iriam vencer e fizesse outras mudanças previstas na legislação fiscal e orçamentária. O projeto de lei reduziria essa proporção, mas apenas para 79% do PIB. Isso é o dobro do que era em 2000.

"Isso [...] não coloca em ação um processo real para reduzir a dívida no futuro", disse o senador democrata Michael Bennet, um dos oito a votar contra o acordo no Senado. Também não prepara os americanos para a realidade de que a próxima rodada de redução do déficit, que chegará algum dia, provavelmente implicará impostos mais altos ou menos benefícios para a classe média.

- A economia. Tudo bem, poderia ter sido pior. Permitir que todos os impostos subissem de maneira acentuada e autorizar todos os cortes de gastos teria precipitado uma recessão. Em vez disso, os consumidores terão menos para gastar, já que o imposto de renda vai subir para as famílias mais abastadas e o imposto retido na folha de pagamento vai subir para todos os trabalhadores. Este será compensado, mas apenas parcialmente, por uma extensão dos benefícios de desemprego e, a uma taxa reduzida, um corte de impostos para investimentos empresariais.

O efeito líquido do acordo é uma pisada nos freios de uma economia que, apesar de alguns sinais positivos de novo impulso no setor privado, está crescendo muito devagar para baixar os níveis de desemprego rapidamente. Essa era a consequência inevitável de qualquer programa de redução de déficit, mas a esperança, agora frustrada, era de que o alívio para empresas e consumidores no fim do drama fiscal em Washington desencadearia todo tipo de gastos e investimentos.

Mohamed El-Erian, do fundo de investimento em dívida Pimco, explica o quadro desta forma: O acordo evita "os riscos mais extremos do abismo fiscal", mas não "melhora de nenhuma maneira durável as perspectivas econômicas a médio prazo", nem "proporciona uma base para uma melhor supervisão da economia pelo Congresso".

- A incerteza. Ainda há muito a ser resolvido. Algumas questões fiscais grandes seriam resolvidas de maneira permanente - tanto quanto isso é possível em Washington -, incluindo a taxa máxima de imposto, a taxa cobrada sobre ganhos de capital e a do imposto sobre o patrimônio. Outras, como o crédito fiscal a empresas para pesquisa e desenvolvimento, seriam resolvidas apenas até o fim de 2013. Mas muita coisa seria adiada só por alguns meses, até que o Congresso, mais uma vez, tenha de enfrentar nova votação sobre a elevação do teto da dívida.

Há um mês, o coordenador de política econômica da Casa Branca, Gene Sperling, disse: "Não se enganem sobre isso: nenhum acordo orçamentário - seja ele qual for - vai fornecer a certeza e a confiança econômica que aspiramos caso os geradores de empregos, investidores e famílias trabalhadoras acreditem que, após chegarmos a esse acordo, começaremos, num futuro bem próximo, uma nova rodada de desastres [na negociação] de limites da dívida."

Mas isso é exatamente o que vai acontecer. Obama promete pressionar por uma combinação de aumento de impostos e restrições não especificadas a benefícios, e desta vez atingindo deduções, créditos e as lacunas da lei fiscal. Os republicanos, sem dúvida, pressionarão por mais restrições nos gastos.

Outra época de tensão relacionada ao teto da dívida parece quase inevitável. Mas há uma conclusão ainda mais desanimadora: as últimas duas semanas ofereceram poucas perspectivas de que os líderes políticos do país têm condições de realizar algo tão importante, e urgente, como uma reforma tributária ou uma reforma dos programas federais de saúde.