Título: Falta de carisma de Maduro é desafio para o chavismo
Autor: Muñoz, Sara Schaefer; Minaya, Ezequiel
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2012, Internacional, p. A11

Desde que o presidente Hugo Chávez passou por uma cirurgia de emergência em Cuba para tratar de uma recaída do câncer, seus seguidores vêm se reunindo em vigílias à luz de velas e rezando pela saúde do seu carismático líder.

Mas os fãs de Chávez não mostraram o mesmo entusiasmo pelo homem que ele escolheu como seu sucessor, o vice-presidente Nicolás Maduro, que assumirá se o presidente populista sucumbir ao câncer ou tiver que renunciar.

Sara Rios, dona de casa de 52 anos do bairro de Catia, reduto de Chávez em Caracas, disse que tem orado por Chávez sem parar desde que ele disse, em 8 de dezembro, que o câncer voltou, e que não se sentiria bem em comemorar o Natal se Chávez ainda estiver doente.

Mas ela disse ainda que terá dificuldade de apoiar Maduro, de 50 anos, político de origem operária que tem chefiado boa parte das relações exteriores do governo Chávez nos últimos oito anos, mas que continua pouco conhecido dos venezuelanos comuns. "A sensação seria de uma traição a Chávez."

A falta de entusiasmo por Maduro põe em relevo o desafio fundamental do "chavismo": como poderá o movimento sobreviver à morte do seu fundador?

Segundo analistas, mesmo que a oposição ganhe poder, a imagem e a política de Chavez provavelmente vão dar as cartas na Venezuela nos próximos anos. Henrique Capriles, líder da oposição, disse que não eliminaria os populares programas de gastos sociais de Chávez, por exemplo, e a ideia de que o governo deve usar o dinheiro do petróleo para ajudar os pobres está profundamente enraizada entre os venezuelanos.

"Não se pode acabar com os programas sociais de Chavez. O custo político seria alto demais", disse José Guerra, ex-autoridade do banco central e assessor de Capriles. "As pessoas veem esses programas como a maneira com que o dinheiro do petróleo chega a elas."

O estado de Chávez, que se recupera em um hospital de Cuba, não é conhecido, pois os detalhes da sua doença são segredo de Estado.

Mas as dúvidas aumentaram nesta semana, depois que Diosdado Cabello, presidente do Congresso venezuelano e firme aliado de Chávez, ter dito que a posse do presidente, prevista para 10 de janeiro, pode ter que ser adiada.

Médicos dizem que o fato de que o câncer ter voltado várias vezes é mau sinal, e o próprio Chávez admitiu a gravidade da sua situação quando pediu a seus seguidores que apoiem Maduro, se ele vier a morrer ou tiver que renunciar e novas eleições forem convocadas, como manda a lei venezuelana.

Nos últimos 14 anos, Chávez dominou a política venezuelana como um espetáculo solo. Nesse período, esse político perito em contar histórias criou uma conexão direta e emocional com boa parte dos cidadãos de baixa renda do país, muitas vezes por meio de frequentes conversas pela TV, com horas de duração, nas quais ele ataca duramente os EUA e aliados americanos e conta piadas e casos.

"Não o vejo como um presidente; eu o vejo como um irmão ou como um pai", disse Sabino Segundo Troconis, motorista de 52 anos.

"[Chávez] é a paz. Ele é amor. Ele é fraternidade. Ele é um consolo para nós, os pobres", disse Mariela Viera, uma mulher de meia idade que se reuniu a outros na praça principal de Caracas, a Plaza Bolívar, para uma das muitas vigílias de oração que surgiram em todo o país nos últimos 10 dias.

Mas o carisma do presidente, que o fez tão querido para tanta gente, torna difícil para qualquer de seus assessores formar um corpo de correligionários. "As pessoas simplesmente não sentem ter algo em comum com Maduro como têm com Chávez", disse David Moran, analista político do site venezuelano LaPatilla.com, ao "The Wall Street Journal".

Se for convocada uma nova eleição, Maduro deve concorrer contra Capriles, que perdeu para Chávez na eleição presidencial muito disputada de outubro, obtendo um resultado melhor do que qualquer outro rival que já concorreu contra o presidente. No domingo, Capriles foi reeleito governador do Estado de Miranda, vencendo um aliado muito próximo a Chávez.

Pesquisas deste ano mostraram que, embora Capriles ficasse atrás de Chávez, mas não de muito, ele ganharia por margem confortável de qualquer aliado do presidente.

Mas as pesquisas indicam que o governo Chávez, que controla a maior parte dos meios de comunicação, poderia facilmente elevar o perfil de Maduro antes de uma eleição, e muitos seguidores fiéis do presidente provavelmente darão seu apoio a quem quer que prometa carregar a tocha de Chávez, pelo menos no início.

"Pode-se acreditar que Capriles continuará sendo muito importante, mas Maduro entraria em uma nova disputa como favorito", afirmou Luis Vicente León, que dirige a respeitada empresa de pesquisas Datanalisis.

O governo Chávez foi rápido para aproveitar a simpatia da população desde que anunciou a recaída do câncer, colocando cartazes e distribuindo camisetas gratuitas com o rosto de Chávez e as palavras: "Agora, mais do que nunca". Em Caracas, uma multidão fez fila na sexta-feira, na Plaza Bolívar, para ganhar as camisetas, alguns gritando o slogan "Chávez no se va!"

"É doloroso que Chávez esteja doente", disse Ruben Bracamonte, técnico de televisão. "Mas, na China, a revolução continuou sem Mao [...] e aqui também podemos fazê-la continuar."