Título: Argentina endurece posição sobre dívida
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 17/12/2012, Internacional, p. A14

O apoio enfático do governo dos EUA pode levar a Argentina a fazer menos concessões aos credores de parte de sua dívida externa, no processo que responde na Justiça americana. O governo do presidente Barack Obama disse que a causa, envolvendo US$ 1,3 bilhão, poderá repercutir em todo o sistema financeiro.

A Argentina foi obrigada em outubro por um tribunal de segunda instância da Justiça de Nova York a retomar os pagamentos a um grupo de detentores de títulos que não entraram nas duas reestruturações de dívida soberana feitas pelo país, entre 2005 e 2009. Os títulos pertencem a 14 pessoas físicas ou fundos e somam um valor nominal de US$ 1,3 bilhão.

Em novembro, o país conseguiu que a sentença fosse reexaminada pela Corte de Apelações do Estado americano, o que deve ser concluído em 27 de fevereiro. Na última quinta-feira, o governo americano pediu para participar da causa como "amicus curiae", ou parte interessada no processo.

O Tesouro americano advertiu que a interpretação judicial "pode afetar de maneira adversa futuras reestruturações de dívida soberana, a estabilidade dos mercados financeiros internacionais e o pagamento de empréstimos". O documento, assinado por advogados dos Departamentos do Tesouro e de Estado, explicita que, para o governo Obama, o entendimento de que os credores que não participaram da renegociação devem receber o valor nominal de seus títulos é "contrário à política americana e inconsistente com o entendimento do mercado sobre o tema".

A polêmica gira em torno do que se deve entender pela garantia de pagamentos "pari passu", presente nos contratos da dívida. O termo latino significa tratamento de credores em condição de igualdade. Pela argumentação dos credores, aceita pela justiça americana, a Argentina violou essa cláusula ao renegociar com os credores que representaram 93% da dívida e suspender as negociações com os que não aceitaram fazer parte das reestruturações.

A Argentina alega que a decisão violou o ato de imunidade de bens soberanos estrangeiros, que não são suscetíveis de embargo. O argumento pode ganhar peso na nova contestação argentina em função da decisão de sábado, do Tribunal Internacional dos Direitos do Mar, que ordenou ao governo de Gana que libere imediatamente uma navio militar arrestado desde outubro num porto do país africano. O Tribunal aceitou a tese de que a fragata é um bem impenhorável. O arresto da fragata foi pedido pelo fundo NML, o mesmo que lidera a ação contra a Argentina na justiça americana. O governo de Gana afirmou que irá estudar a decisão.

Desde 2009, a renegociação com os credores que não entraram nas reestruturações é proibida por lei na Argentina. Por enquanto, não há sinalizações oficiais de que a presidente Cristina Kirchner irá transigir. A presidente deixou fora da pauta da convocação extraordinária do Congresso a revogação da lei, conhecida no país como "ley cerrojo" (lei ferrolho).

Em debate na Universidade di Tella, em Buenos Aires, especialistas viram com preocupação a dureza argentina. "A Argentina aposta com muita ênfase que o efeito contágio deste problema sobre outras reestruturações soberanas pode mudar o entendimento da Justiça dos Estados Unidos, mas o fato é que em nenhum país existe algo parecido a uma lei que proíbe renegociações. Isso enfraquece a tese", afirmou Vladimir Werning, diretor-executivo do banco JP Morgan para mercados emergentes, que é argentino.

"Do ponto de vista jurídico, a situação é frágil. A única circunstância que joga a nosso favor é o efeito potencial sobre futuras negociações. O problema é que há um consenso de que a Argentina precisa oferecer algo", disse o advogado Sérgio Muro, diretor da faculdade de direito da universidade.

A hipótese considerada mais factível pelo mercado argentino é que a Justiça americana reformule a decisão de exigir o pagamento dos títulos pelo valor nominal e determine que os credores que não entraram na renegociação devem receber como os que entraram, com desconto sobre o valor de face que pode chegar a 66%.

"Essa é a melhor oferta que a Argentina pode fazer, sob pena de anular toda a renegociação feita com os credores que aceitaram esse desconto. E a justiça americana sabe que, no limite, provocará um default técnico, mas não tem como obrigar o Estado argentino a pagar os papéis", afirmou o economista Ramiro Castiñera, da consultoria Econométrica.

A dívida não renegociada da Argentina não se limita ao que está em jogo no processo nos EUA; chega a US$ 11 bilhões, ou 22% de todo o débito em moeda estrangeira do país. A crise da dívida argentina começou em dezembro de 2001, quando o país suspendeu o pagamento de dívidas de US$ 130 bilhões, após o colapso econômico.