Título: BNDES quer recuperar dívida de R$ 30 bi
Autor: Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2007, Finanças, p. C5

A área de crédito do BNDES, comandada pelo diretor Elvio Gaspar, enfrenta o desafio de ampliar o acesso ao crédito das empresas privadas e do setor público para sustentar o novo ciclo de investimento do país e, ao mesmo tempo, resgatar parte do estoque de dívida do banco de R$ 30 bilhões acumulado ao longo dos últimos 40 anos, apesar do seu histórico de baixo índice de inadimplência.

"Vamos enfrentar esse esqueleto com a meta de recuperar dívida em favor do banco e recuperar os ativos das empresas inadimplentes, a fim de que eles voltem a ter função produtiva na sociedade, gerando emprego e renda", disse Gaspar ao Valor.

O grosso do estoque de dívida do banco soma R$ 28 bilhões, incluindo multas e juros de mora, e se refere a operações grandes envolvendo cerca de mil empresas. Os outros R$ 2 bilhões são de débitos de até R$ 2 milhões contraídos por 1.500 empresas. A maioria destes casos está no contencioso do banco, ou seja, na Justiça. No perfil dos grandes devedores, segundo Gaspar, tem de tudo, indústria naval, alimentos, indústria pesada, empresas de energia elétrica.

"Mas, não há risco de esta dívida prescrever. Vamos montar uma meta de prazo para seu resgate", adiantou o executivo. O BNDES já está criando sistemas que vão cobrar desses devedores.

Em 2007, segundo Gaspar, só será resgatado o que está no estoque da carteira do Departamento de Recuperação de Crédito (Derec), que alcança R$ 1,8 bilhão. Nesta carteira tem algumas empresas que estão no contencioso, como a Chapecó, Inepar e estaleiros cariocas, entre os quais o Eisa, e um volume pequeno de sub-rogados fora da Justiça.

A tarefa de reduzir o estoque de dívida do banco tem impacto positivo sobre o lucro da instituição, como aconteceu em 2006, quando a área de crédito conseguiu reverter débitos no valor de R$ 1,7 bilhão contabilizados na coluna de despesas do balanço do banco, na rubrica de provisão para devedores duvidosos. De 2004 a 2006, o BNDES reduziu em mais da metade seu provisionamento, que baixou de R$ 4 bilhões para R$ 1,8 bilhão.

Atualmente, foram aprovadas duas políticas que orientam o trabalho de recuperação de crédito da equipe de Gaspar. Nas dívidas de até R$ 1 milhão a área de crédito tem autonomia para negociar nos parâmetros estabelecidos previamente pela diretoria do banco, o que torna mais rápida a solução desses casos. Em valores acima disso, a área aprova diretrizes para a negociação e as submete à diretoria. "A gente resolve o varejo todo (valores menores) dentro de um mesmo parâmetro. Já no que é grande aplicamos a estratégia "alfaiate", negociando caso a caso, pois a gente sabe que é problema", disse o executivo. Nessa questão de inadimplência, a política do banco sempre foi a de negociar e mesmo o recurso à Justiça pode ser revertido se o devedor procurar o BNDES, informou Gaspar.

Conforme a estratégia do BNDES de apoiar investimentos, a recuperação de crédito segue dois caminhos. Um visa recuperar o máximo possível da dívida, enquanto o segundo trabalha para salvar empresas. Neste caso, a instituição até abre mão de parte da dívida para devolver o ativo à produção, como é o caso de negociações com a da Chapecó e de estaleiros cariocas, como o Eisa, da Sinergy Group. Mas Gaspar alerta que, "no banco, isto só é possível se o devedor passar o negócio a outro controlador".

Algumas negociações de dívidas são consideradas emblemáticas dentro do banco, como a da AES Eletropaulo. A empresa americana ficou inadimplente em US$ 1,2 bilhão (R$ 2,4 bilhões), tomados para comprar a distribuidora paulista. A negociação durou um ano. Para não ter prejuízo, o BNDES acabou acertando sua entrada como acionista na empresa. Agora, acaba de colocar à venda sua participação e espera recuperar boa parte deste passivo para engordar seu caixa.

Já o caso da AES Cemig - que deve à instituição de fomento US$ 700 milhões ou R$ 1,4 bilhão (como já foi noticiado), obtidos para adquirir 30% do capital da Cemig - foi parar na Justiça.

A história da Chapecó, agroindústria que tem passivo de R$ 600 milhões com o banco, seguiu outro rumo. Enquadrada na antiga lei de falência, a empresa terá seus ativos leiloados pelo síndico da massa falida ainda neste primeiro semestre. "O banco, como maior credor, espera receber o resultado do leilão", disse Gaspar. Outro esqueleto que está saindo do armário é o da Inepar. O banco está negociando com a empresa de Atilano Oms. Tudo está caminhando para que a empresa honre seus débitos, ou seja, pague a dívida. Conforme já é conhecido, a empresa paranaense deve R$ 400 milhões ao BNDES. Proprietária de uma fábrica de turbina e motores em Araraquara, onde emprega 4 mil funcionários, a Inepar poderá eventualmente ser enquadrada nas regras de recuperação do ativo, com o banco admitindo renunciar a parte do valor total do débito para salvar a empresa. Mas, para isto, a fábrica terá que ser passada a outro dono ou ser leiloada, como vai acontecer com a Chapecó.

Num cenário de crescimento do investimento impulsionado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a área de crédito trabalha para ampliar sua exposição ao risco a tomadores privados e públicos. O objetivo é viabilizar mais projetos. "Revisamos uma norma que limitava a exposição ao risco ao percentual do patrimônio líquido ou do ativo da empresa. E corrigimos a curva da nossa exposição, que era de 35% do PL (para risco maior) até 65% para risco "AAA" (o menor risco) e nós, agora, puxamos para 45% a 85% do PL, ou seja, elevamos a nossa exposição ao risco, mantendo-a dentro dos limites prudenciais. Desta maneira, aumentamos nossa participação nos empreendimentos", disse Gaspar. "O objetivo do banco é viabilizar mais projetos." O aumento da exposição ao risco levou o BNDES a ser mais rígido na avaliação das notas de risco das empresas privadas. O banco criou também metodologia de nota para os Estados e municípios.