Título: Relações de Estado
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 04/12/2010, Mundo, p. 30

Lula atende a pedido do colega Abbas, reconhece a Palestina como país soberano e oficializa status de embaixador

Mohamad Torokman/Reuters - 17/3/10 Lula participa de coletiva de imprensa com Abbas, durante visita a Ramallah, em março: tendência confirmada Na manhã de ontem, o diplomata palestino Ibrahim Al-Zeben chegou ao Palácio do Itamaraty como chefe da delegação palestina em Brasília. Saiu com o status de embaixador de um Estado oficialmente reconhecido pelo Brasil. A decisão de reconhecer, de forma unilateral, a existência do Estado Palestino nas fronteiras de 1967 foi a maneira encontrada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para manter os holofotes sobre sua política externa até a reta final. A notícia, que oficializa a decisão já amplamente conhecida do Brasil em relação à questão israelo-palestina, foi comemorada por Al-Zeben, pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), pela Autoridade Palestina (AP) e pelo Fatah. Como era de se esperar, desagradou o lado israelense, que lamentou o posicionamento de Lula ao fim de seu mandato.

Segundo o Itamaraty, a decisão de oficializar a posição brasileira foi motivada por uma carta do presidente da AP, Mahmud Abbas, enviada ao colega brasileiro no último dia 24. Na quarta-feira passada, o Planalto enviou a resposta a Abbas, reconhecendo o Estado palestino. ¿A iniciativa é coerente com a disposição histórica do Brasil de contribuir para o processo de paz entre Israel e Palestina, cujas negociações diretas estão neste momento interrompidas¿, observa o Ministério das Relações Exteriores, por meio de nota. O comunicado ressalta que a decisão está em consonância com as resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) ¿ a exigência do ¿fim da ocupação dos territórios palestinos e a construção de um Estado independente dentro das fronteiras de 4 de junho de 1967¿.

Lideranças palestinas já tinham anunciado que pretendiam recorrer à ONU para garantirem o reconhecimento unilateral de seu Estado, ante o impasse com Israel ¿ o governo judaico se recusa a congelar novamente a construção em suas colônias. Para os palestinos, um anúncio como o feito pelo Brasil pode incentivar outros países a adotarem a mesma postura. ¿Estamos falando do Brasil, que tem um peso importante na América Latina e no mundo. A decisão (de cada país) é sempre soberana, mas, seguramente, isso ajudará outros países que estavam indecisos a entender a mensagem¿, concordou o agora de fato embaixador palestino no Brasil. Com o reconhecimento, a missão palestina em Brasília passará a ter o status de embaixada, bem como o escritório de representação do Brasil em Ramallah.

¿É uma grande alegria para nós, estamos felizes que o Brasil tomou essa decisão a favor da justiça e do estado de Direito, porque a criação do Estado Palestino está sendo postergada desde 1947¿, afirmou Al-Zeben, que disse só ter sido informado da decisão brasileira na tarde da última quinta-feira. ¿Foi uma surpresa agradável. Mas dos bons amigos e dos amantes da paz e da justiça sempre se espera algo bom¿, disse ao Correio. Hoje, mais de 100 países reconhecem o Estado palestino, entre eles todos os árabes, e uma boa parte dos governos da África, da Ásia e do Leste Europeu. O Itamaraty fez questão de ressaltar que todos os parceiros do Brasil no Ibas (fórum formado com Índia e África do Sul) e no BRICs (com Rússia, Índia e China) já tomaram essa iniciativa.

Solidariedade Em Ramallah, um dos líderes e chanceler do Fatah classificou a decisão brasileira como uma ¿resposta não violenta ao unilateralismo israelense¿. ¿Quero agradecer ao meu amigo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por cumprir com sua palavra de pôr a solidariedade em ação. O Brasil está ajudando a pavimentar o caminho da justiça, da liberdade e da paz no Oriente Médio¿, afirmou Nabil Shaath. Al-Zeben disse também estar certo de que o passo dado pelo Brasil vai contribuir para que se alcance a paz no Oriente Médio.

Para os israelenses, no entanto, o governo Lula cometeu um ¿erro¿ ao reconhecer o Estado palestino, à revelia de um acordo entre os dois lados, que seria a única forma possível de definir as fronteiras. Fontes do governo de Israel disseram ao Correio lamentar a decisão brasileira, que ¿só vai complicar ainda mais o processo¿.

¿Acreditamos que o Estado palestino deve ser resultado direto das negociações entre israelenses e palestinos¿, afirmou um diplomata. A Embaixada de Israel em Brasília foi informada pelo Itamaraty também na tarde de quinta-feira, poucas horas depois de o número dois do governo israelense, o vice-premiê, Silvam Shalom, se reunir com o chanceler Celso Amorim. Apesar de Shalom aparentemente já estar ciente da intenção brasileira, fontes asseguraram que o assunto não esteve na pauta do encontro.