Título: Isenções às exportações e as finanças estaduais
Autor: Mário Carvalho e Eriksom Lima
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2005, Opinião, p. A8

Os governadores das principais unidades da Federação têm apontado os efeitos causados pela isenção fiscal sobre as exportações nas finanças estaduais. Porém, esse alerta não sensibilizou autoridades econômicas, nem outros atores sociais. As primeiras, porque se sentem intimidadas por pedidos de compensações; os últimos, porque a carga fiscal cresceu enormemente após o Plano Real e qualquer redução é sempre bem recebida. Para entender o clamor dos governadores, é preciso antes compreender o efeito diacrônico entre a incidência tributária estadual ex-ante e a isenção ex-post sobre as exportações, e seus efeitos nos orçamentos estaduais. Pela legislação, somente após efetivada a exportação o exportador pode lançar na contabilidade os valores em reais das isenções fiscais de impostos indiretos estaduais e federais. A isenção do ICMS, principal imposto estadual, reduz de imediato a arrecadação e afeta a gestão das finanças públicas de Estados e municípios. Além disso, compromete a arrecadação futura com eventos passados. Costuma-se afirmar que essa perda inicial de receitas seria amplamente compensada pelo aumento da renda e emprego e pelo aumento futuro do recolhimento de impostos diretos e indiretos, mas isso não corresponde à verdade. Em Estados com presença significativa de setores fortemente orientados para a exportação, o volume acumulado de créditos de ICMS pode não ser compensado por vendas internas. Assim, há situações em que a arrecadação de ICMS com vendas domésticas é insuficiente para compensar isenções devidas pelo processamento, em outros Estados, de matérias-primas produzidas localmente. Para os exportadores atuais e potenciais, a situação também é desfavorável. São obrigados a gerenciar seus negócios tendo em vista, de um lado, a possibilidade de compensar as isenções fiscais contra os impostos devidos com sua produção para o mercado interno, de outro, a possibilidade de perder fornecedores, na medida em que, com a Lei Kandir, há estímulos a exportações de produtos "in natura" diretamente pelos produtores desses bens. O setor de couros e calçados sofreu recentemente com esses problemas. Porém, o pior ainda pode vir. Como o acúmulo de créditos de ICMS é crescente e, na maior parte dos casos, impossível de ser compensada pelos Tesouros estaduais sem conseqüências desastrosas para os cidadãos e empresas dependentes de serviços públicos, pode ocorrer que parte dos exportadores tenha sucesso em ações judiciais para a execução desses créditos fiscais. Ou, ainda mais grave por ter efeito imediato, uma decisão das autoridades econômicas, premidas ou não por acordos internacionais, no sentido de estabelecer que esses créditos devam ser considerados dívidas estaduais. Dadas as cifras dos créditos pelas isenções de ICMS com exportações, serão poucos os governadores, se houver algum , que conseguirão escapar dos rigores da Lei de Responsabilidade Fiscal, e isso apesar de terem sido plenamente responsáveis em sua gestão.

A afirmação que a perda inicial de receita é compensada por mais empregos e renda não corresponde à verdade

Constata-se, portanto, que há razões para as reclamações dos governadores. A compensação proposta pelas autoridades econômicas é de cerca de 1/3 das perdas estimadas pelos Tesouros estaduais com as isenções. Porém, se essa compensação permite aos Estados recuperarem a renúncia fiscal corrente, não possibilita que resolvam o problema dos créditos acumulados por isenções passadas, relativas a impostos pagos ao longo da cadeia de produção dos bens manufaturados. Para a resolução definitiva do problema exige-se a adoção de esquemas pactuados entre todos os agentes econômicos públicos e privados. O primeiro ponto a ser resolvido refere-se à extinção do processo de geração de novos créditos fiscais. Para tanto, o governo federal, principal interessado nas receitas cambiais originadas com as exportações, assumiria suas responsabilidades e passaria a ressarcir totalmente os Estados exportadores pelas perdas de receitas. O instrumento adequado seria a instituição de um "drawback verde amarelo" entre os entes da Federação. Com o mecanismo, o Brasil se tornaria, de fato, uma união aduaneira para fins de exportação, sem novos acúmulos de créditos de ICMS. A adaptação do sistema informatizado de "drawback" existente permitiria que todas as secretarias estaduais de Fazenda e a Receita Federal realizassem o acompanhamento e controle das empresas exportadoras, o que possibilitaria a automaticidade nos repasses de ressarcimento dos Estados pela isenção fiscal das exportações. O segundo ponto refere-se à dívida contraída no passado pelos governos estaduais com as empresas exportadoras. Infelizmente, a solução exige legislação específica aprovada pelo Congresso. Novamente, vale o raciocínio que a isenção, por lei federal, de tributos estaduais com vistas ao incremento das receitas cambiais com exportações, é adequada como instrumento de política comercial, mas tem sido injusta ao deixar para os Estados a maior parte da renúncia fiscal. Por isso, pode-se defender que cabe à União resolver o problema de créditos acumulados de ICMS, ainda que as autoridades econômicas prefiram transferir a liquidação efetiva para o futuro. Através do processo legislativo poder-se-á chegar a melhor solução para essa liquidação, com o estabelecimento de uma fonte de recursos da União - por exemplo, o Imposto de Importação - para pagamento dessa dívida. A nosso ver, é o único caminho para que as autoridades econômicas federais demonstrem efetivo comprometimento com a responsabilidade fiscal, especialmente na sua faceta intertemporal. A urgência de encaminhamento de soluções é inconteste, e o desespero de alguns governadores com a situação fiscal de seus Estados é prova cabal disso. É por esses motivos que os alertas dos governadores devem ser tratados com maior seriedade, pois a gravidade da situação existente, e que se agrava dia a dia, tenha solução. Seu encaminhamento depende integralmente da autoridade federal, que detém o poder e, exercendo-o, pode mobilizar a máquina administrativa para apresentar alternativas, para que, no debate político, Executivo e Congresso decidam a solução adequada para o país.