Título: Retomada combina consumo e investimento
Autor: Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2013, Brasil, p. A4

Depois de desacelerar em 2012, com mudanças introduzidas pelo governo na estratégia de crescimento econômico em 2011, a economia brasileira deve reagir em 2013 puxada por um crescimento maior tanto no consumo, quanto nos investimentos. A previsão é da jovem economista Laura Barbosa de Carvalho, de 28 anos, professora de macroeconomia da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Formada pela Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ), fez mestrado em Economia na UFRJ e doutorado na The New School for Social Research, de Nova York, nos EUA.

"A mudança na política cambial foi um mal necessário, mas gerou um processo inflacionário que trouxe perda real aos trabalhadores, reduziu o dinamismo do consumo e não se fez acompanhar do aumento das exportações como o governo previa. Com isso perderam-se também os incentivos da indústria para investir em 2012", alerta.

Para Laura, o desafio macro para o governo em 2013 para retomar o crescimento é conseguir combinar o tripé dinamismo no mercado interno, competitividade internacional e política fiscal anticíclica com investimento público em infraestrutura, o que requer superávit primário mais baixo. A economista não comunga do otimismo do governo que aposta num PIB de 4% para o ano e prefere apostar em taxas mais modestas, entre 2,5% e 3%, a seu ver um bom avanço em relação ao que espera para 2012: um produto abaixo de 1%. A seguir, trechos da entrevista:

Valor: Qual a cara da economia em 2013?

Laura Barbosa de Carvalho: A economia em 2013 vai melhorar em relação a 2012. Estou sendo um pouquinho mais pessimista que o governo, que espera um PIB a uma taxa de 4% no ano. Trabalho com um produto em 2013 crescendo entre 2,5% e 3%, puxado por um avanço maior tanto do consumo, quanto dos investimentos. E além da melhora na competitividade internacional da indústria devido ao câmbio um pouco mais desvalorizado [o que deve reduzir o crescimento das importações], as medidas de desoneração anunciadas para os diversos setores e os investimentos em infraestrutura que serão feitos nos próximos anos vão estimular a decisão de investir dos empresários e reanimar a indústria. A economia só não vai crescer mais porque a crise nos países avançados ainda não vai terminar, dificultando que as exportações sejam um motor adicional.

Valor: O que vai sustentar este PIB de 2,5% a 3%?

Laura: Imagino que as medidas que estão vindo agora, principalmente o corte nas tarifas de energia e a desoneração fiscal, já tenham efeito em 2013 sobre os investimentos. Também prevejo uma melhora no setor de serviços. Da demanda pelo setor de serviços, 27% é referente a consumo do governo. O governo está determinado a não deixar o PIB crescer pouco, o que pode levar a uma política fiscal mais expansionista. Além disso, está se criando espaço para queda do superávit primário com a redução da Selic. A redução da meta de superávit primário [hoje em 3,1% do PIB] pode melhorar o produto via aumento do investimento público.

Valor: O que pode constranger a economia brasileira em 2013?

Laura: Há duas coisas principais. Uma queda de preços de commodities e o comportamento da economia global. A reversão do ciclo positivo das commodities pode levar a uma desvalorização cambial brusca, que geraria mais inflação. Inflação que, como 2012 deixou claro, acaba vindo junto com crescimento mais baixo e não com crescimento mais alto por causa da perda salarial. Outra coisa que pode acontecer é um aprofundamento da crise global. Se a situação na Europa não se resolver, pode também acabar levando a um choque aqui, pelo lado do comércio exterior. Não imagino, porém, que internamente o governo mude a postura [anticíclica] a ponto de afetar negativamente o crescimento da economia. Acho que o governo está bem determinado a adotar medidas de estímulo ao investimento. Piorar, não piora.

Valor: O que não piora?

Laura: O governo tomou uma decisão em 2011 de mudar a estratégia de crescimento econômico e essa decisão se mostrou acertada por um lado e errada por outro. Acho que o governo está justamente tentando corrigir com essas medidas atuais a parte errada.

Valor: Qual foi a parte errada?

Laura: Em 2011, o governo resolveu seguir uma estratégia de baixar juros para desvalorizar o câmbio achando que seria suficiente para estimular investimento. Só que para conseguir reduzir os juros anunciou alguns ajustes fiscais que, do ponto de vista oficial, facilitariam a redução de juros. O que aconteceu no fim das contas em 2012? O investimento não se recuperou apesar da desvalorização do câmbio e acabou tendo um efeito de desacelerar a economia. Agora, o governo lançou uma série de medidas que vão atacar pontos mais relevantes para os investimentos, seja pelo lado dos custos, seja pelo lado da demanda, aumentando o salário mínimo. Acho que a política talvez volte para um meio termo em que há ainda um estímulo ao consumo e ao próprio investimento público, sem voltar para o câmbio apreciado.

Valor: O consumo pode continuar a ser o motor do crescimento em 2013 como foi em 2012?

Laura: Em 2012 a desvalorização cambial e o aumento de preço das commodities geraram um processo inflacionário que reduziu o ritmo do consumo e travou investimento. Nesse ponto, tenho uma visão um pouco diferente de alguns economistas em relação a essa coisa do consumo como motor da economia. O investimento depende da lucratividade, do retorno para o investidor, como já disse. Mas o investimento também depende da própria demanda. Essa demanda, no caso do Brasil, é muito maior do lado doméstico do que do externo. Metade do produto da indústria vem do consumo das famílias, daí a importância do consumo na economia. Então, investimento e consumo não são contraditórios: ambos devem ser motores da economia em 2013.

Valor: Quais setores da indústria têm maior potencial para retomada em 2013?

Laura: O ano de 2013 vai ser muito melhor para a indústria em geral, que vai sofrer um pouco menos com a entrada de produtos importados, devido ao câmbio mais competitivo, e se beneficiará da redução dos custos de produção com o conjunto de medidas anunciadas pelo governo, além dos juros mais baixos. A indústria será a principal beneficiada pela mudança na orientação da política econômica dos últimos dois anos. E isso já vai começar a aparecer em 2013. Os setores ligados à construção civil estarão entre os mais dinâmicos, movimentados pela desoneração de impostos e os projetos da Copa e Olimpíada. Petróleo e commodities em geral vão estar bem em 2013. A automobilística pode sofrer com o aumento do IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados]. Tem pouca gente falando em emprego. Acho que o emprego não sofre em 2013. Os empresários estão segurando seus empregados prevendo 2013 melhor. Por isso o emprego não caiu.

Valor: E o setor de bens de capital que pesa na formação bruta de capital fixo, que mede o investimento, junto com a construção?

Laura: Imagino que alguns segmentos de máquinas e equipamentos podem ser estimulados com programas do BNDES, mas não tenho certeza sobre a eficácia dos financiamentos do BNDES em 2013. Não vejo o setor industrial disposto a investir no que não investiria só por causa de uma tomada de recursos mais baratos no banco, já que a indústria não está operando a plena capacidade. Creio que em 2014 isso melhore um pouco.

Valor: O instrumento de crédito via BNDES está esgotado?

Laura: O esgotamento não é do instrumento. Os empresários não estão batendo numa restrição de capacidade - não precisa dar incentivo para investir. Medidas via canal de crédito como redução da Selic, da TJLP e aumento de desembolso do BNDES só têm efeito se a economia começar a crescer e tiver demanda por crédito. Primeiro é preciso adotar outras medidas que levem ao aumento do investimento [como já está acontecendo] para depois vir com essas. Em 2008 o instrumento BNDES foi eficaz porque estávamos vindo de um aquecimento da economia num momento em que ela ia se desestimular. Foi na hora certa. Mas adotar medida de crédito agora, numa economia desaquecida, não faz muito efeito, principalmente quando os empresários estão trabalhando abaixo da capacidade instalada.

Valor: Os investimentos em infraestrutura deslancham em 2013?

Laura: Se o governo conseguir fazer as licitações. Esse processo demora e em 2013 ainda não vejo parte da infraestrutura deslanchando. O efeito maior só vai ocorrer em 2014.

Valor: Há espaço para o governo continuar distribuindo renda em 2013?

Laura: A política de distribuição de renda é necessária para manter o consumo dinâmico e induzir investimentos. O componente indutor do investimento, lucratividade, depende de custos, mas tem outro componente indutor que é a demanda. A economia está melhor quando a renda está sendo distribuída. A renda aumentando e as pessoas consumindo mais são mais importantes do que as exportações para um país continental como o nosso. A indústria tem um papel relevante na política distributiva. Não é possível um país crescer e se desenvolver sem indústria. No longo prazo um país sem indústria não gera crescimento da produtividade, que por sua vez impede que os salários cresçam.