Título: Sem métodos de avaliação, programas perdem foco
Autor: Torikachvili, Silvia
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2007, Empresas, p. B6

As empresas que investem em projetos sociais pela melhoria da qualidade do ensino nem sempre conduzem o planejamento e monitoram os resultados com o mesmo cuidado e profissionalismo que são utilizados quando lançam um serviço ou produto no mercado. "Qualquer investimento social deve ter um papel transformador na comunidade; e isso a gente não pode perder de vista", recomenda José Paulo Martins, diretor do Instituto Gerdau, que mantém cerca de 500 programas nas áreas de educação e situações emergenciais.

É raro, porém, ver investidor social monitorando o investimento. Em geral a avaliação não é feita por auditores externos que possam trazer uma visão mais independente, conforme revela a última pesquisa do Grupo de Empresas e Fundações (Gife).

Embora não seja o caso de mensurar o lucro financeiro de um projeto, é sempre possível avaliar o impacto que o projeto provocou ou não. "É uma pena ver tantas empresas com tanta competência nos negócios não terem a mesma preocupação com o retorno de seus investimentos sociais", diz Martins.

A observação de Martins talvez explique por que os resultados dos programas sociais com a finalidade de melhorar a qualidade do ensino são em muitos casos tímidos. Embora 85% das fundações e institutos ligados a empresas de notória competência invistam milhões de reais em recursos na educação, os resultados são decepcionantes, conforme constata Cenise Vicente, coordenadora do escritório do Unicef em São Paulo. "As avaliações da Prova Brasil, do Saeb, do Enem, só comprovam cientificamente aquilo que se vê a olho nu - a dificuldade que as crianças têm de aprender".

Esses resultados refletem também no Pisa, o programa de avaliação internacional da escola, um dos dados que compõem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Segundo Cenise esses indicadores apontam algumas fraquezas: pequena duração da jornada escolar; falta de estímulo à leitura; formação sofrível dos educadores; falta de educação na primeira infância; baixa escolaridade dos pais; baixo padrão de exigência. Ela acredita que as empresas têm hoje uma grande oportunidade de se envolver com investimentos públicos. A primeira delas é o Fundo da Infância e Adolescência (FIA), caso haja interesse pelo destino dos impostos aplicados na educação. "Acompanhando a qualidade da execução e a qualidade do investimento, cria-se uma massa crítica dentro do mundo empresarial, que pode começar a mudar esse quadro", diz.

"É incrível que tanto dinheiro descarregado em tantos projetos das fundações não mexam nos resultados", diz o vice-presidente da Fundação Itaú Social, Antonio Matias. Por questionar o fato de cada fundação de empresa escolher seu próprio projeto sem formar uma massa crítica e sem buscar um entrosamento entre o poder público e o conjunto dos protagonistas, muitos empresários aderiram ao Compromisso Todos pela Educação, que traça metas a serem alcançadas gradativamente até 2022.

Estabelecer parcerias e identificar as melhores práticas e experiências bem sucedidas são medidas que podem representar a arrancada para congregar todos os investimentos sociais na direção da educação de melhor qualidade. "O empresário precisa entender que onde investe dinheiro deve obter resultados, ainda que o projeto seja da área social", diz Matias.

Se houvesse essa preocupação, Matias acredita que a educação no Brasil estaria em outro patamar. Por falta de metodologias de mensuração do retorno das ações sociais, a Fundação Itaú acionou os engenheiros da instituição para avaliar um programa desenvolvido desde 1995 em 48 estabelecimentos de ensino. Com uma permanência maior na escola, as crianças beneficiadas pelo programa entraram mais tarde no mercado de trabalho. Em compensação, ganharam mais no futuro. A metodologia está à disposição de interessados em mensurar seus investimentos até a fase final, incluindo a perspectiva de entrada no mercado dos jovens que permaneceram na escola por mais tempo. "O acompanhamento dos processos e a certificação dos gastos são uma forma de iniciar uma cultura de avaliação", diz Matias.

A preocupação com a qualidade vem ganhando importância rapidamente, na opinião de Carminha Brant, coordenadora geral do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). "A temática ganhou importância e os empresários perceberam que as ações devem ter maior efetividade, garantir mudanças e influir nas políticas públicas."

Atualmente, cerca de 50 milhões de crianças e jovens estão no ensino básico, fundamental e médio - "e não estamos conseguindo fazer com que eles aprendam; não estamos dando conta", lamenta Maju Azevedo, coordenadora de área de educação e comunidade do Cenpec.

Desse contingente, 97% estão distribuídos por 180 mil escolas públicas no país inteiro, onde são atendidos por 2,5 milhões de professores. De todo orçamento da União 25% são destinados à educação, além dos investimentos da área privada, que chegam a cerca de R$ 124 milhões em 2005, segundo informação de 68 dos 101 associados do Gife. No entanto, o Gife acredita que os recursos que vêm da iniciativa privada devam chegar a, pelo menos, o dobro.

Muito esforço para tão pouco resultado faz parte do processo, na interpretação de Luís Norberto Pascoal, presidente da DPaschoal e da Fundação Educar DPaschoal. "Responsabilidade social não nasceu de nenhuma estratégia, por isso ainda estamos no campo da tentativa e erro", diz ele. Há empresas que entraram na RSE pela porta da filantropia, fazem um trabalho pequeno, pontual e geralmente sem resultados, segundo Pascoal. "Quando crescem, cometem outro erro: filantropia em escala industrial, um expediente que cria dependência".

Há outras portas de entrada no investimento social, segundo Pascoal - é quando a RSE se transforma em marketing. "A empresa costuma gastar uma fortuna em relatórios sociais que nem o diretor lê", diz ele ainda. Numa terceira versão, o investimento social é feito numa situação sem saída: a empresa se vê pressionada pelo cliente, pela imprensa, pelos fornecedores, e acaba fazendo qualquer coisa.