Título: Alfinetada de Lula
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Fonte: Correio Braziliense, 04/12/2010, Mundo, p. 31

Presidente nega "antiamericanismo" e diz que Obama é quem deve estar preocupado com quebra de sigilo O presidente Luiz Inácio Lula da Silva responsabilizou a desatenção de Washington para com a América Latina, e não uma postura ¿antiamericana¿ de seu governo, pelo distanciamento da região em relação aos Estados Unidos, nos últimos anos. Falando a correspondentes estrangeiros no Rio de Janeiro, antes de embarcar para a Cúpula Ibero-Americana, na Argentina, Lula voltou a comentar o vazamento de documentos diplomáticos dos EUA pelo site WikiLeaks, incluindo comunicações da embaixada em Brasília classificando o governo Lula como ¿apinhado de esquerdistas¿.

¿A minha única crítica, que disse ao presidente (George) Bush e repeti ao presidente Obama, é que muitas vezes eles olham com um olhar pequeno a América Latina. É necessário que tenham uma dimensão maior do que representa a América Latina para os Estados Unidos¿, afirmou o governante brasileiro. Embora admitindo que ¿algumas pessoas¿ no Brasil podem não gostar dos EUA, Lula definiu as relações bilaterais como ¿excepcionais¿ e ¿privilegiadas¿: ¿Foi assim com (Bill) Clinton e com Bush, e é agora, com Obama. As relações são boas com todos porque não misturamos política com relações internacionais¿, afirmou.

Mesmo assim, o presidente brasileiro admitiu que discorda de ¿algumas posições¿ de Washington. ¿Muitas vezes, eles impedem que uma empresa que produza um produto qualquer, que tenha uma peça americana, venda para a Venezuela, para países que eles não consideram amigos. Disse para o presidente Bush e depois para o presidente Obama que considero isso um retrocesso. Mas respeito a posição¿, disse.

Lula disse ainda que as revelações do WikiLeaks ¿machucam a nobreza da diplomacia mundial e o comportamento da diplomacia americana¿: ¿Quem tem que estar preocupado com esse vazamento é o presidente Obama¿. Lula, que havia considerado ¿insignificantes¿ para o Brasil as revelações do WikiLeaks, aproveitou para um puxão de orelhas nos embaixadores. ¿Acho que isso é uma lição para, daqui para a frente, os embaixadores passarem telegramas com mais responsabilidade. A gente não pode chegar ao fim do dia e, para prestar contas ao chefe, a gente ficar escrevendo qualquer coisa e mandando¿, alfinetou.

Guantánamo O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que acompanhou Lula na Cúpula Ibero-Americana, comentou outra revelação contida nos documentos do WikiLeaks e confirmou que o Brasil foi sondado pelo governo dos Estados Unidos para receber prisioneiros acusados de terrorismo e mantidos na base norte-americana de Guantánamo, em Cuba. ¿Lembro de terem me consultado e de eu ter achado que não era conveniente. O mais normal seria, se são inocentes, encontrarem de volta seu caminho na vida¿, disse o ministro. Para o chanceler brasileiro, foi um inconveniente o fato de terem sido acusados de terrorismo por conta das mensagens. ¿Vamos ser francos: ali não tem nada top secret¿, afirmou, referindo-se aos vazamentos.

Cúpula sem brilho (foto) A recusa do presidente Lula a assumir o comando da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) esvaziou a 20ª Cúpula Ibero-Americana, no balneário argentino de Mar del Plata, que recebeu entre outros o presidente mexicano, Felipe Calderón, e o rei Juan Carlos, da Espanha (da esquerda para a direita, na foto). Na ausência de personagens como o venezuelano Hugo Chávez, o encontro paralelo dos líderes da Unasul dará apenas início à escolha de um sucessor para o primeiro secretário-geral do bloco, o ex-presidente argentino Néstor Kirchner, morto em outubro. Foram apresentados os nomes dos ex-chanceleres Ali Rodríguez, da Venezuela, e María Emma Mejía, da Colômbia.