Título: A corrida do resseguro
Autor: Garrido, Juan
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2007, Caderno Especial, p. F1
Os sinais são de que vem aí um novo ciclo de forte expansão do mercado segurador brasileiro. Com o fim do monopólio do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) - estabelecido com a publicação da Lei Complementar 126 no começo de 2007 - as companhias nacionais de seguros e as gigantes internacionais de resseguros só esperam que saia a regulamentação das novas regras para definir suas estratégias de competição. Embora dono de economia respeitável, o Brasil ainda figura como 24º colocado no ranking mundial do mercado segurador, havendo, portanto, grande espaço para crescer.
Antes da regulamentação, no entanto, não dá para decidir nada, comenta José Rubens Alonso, sócio e responsável pela área de seguros da KPMG Auditores Independentes. "Principalmente no caso das resseguradoras estrangeiras", diz, recordando a experiência amarga que elas já tiveram por aqui. "Há alguns anos sobreveio uma onda inicial de instalação de escritórios de representação no Brasil, mas muitos fecharam as portas logo depois do alarme falso da quebra do monopólio."
Mesmo assim sobrevivem ainda hoje nove desses escritórios de representação no país. Entre eles o da espanhola Mapfre Re, a primeira grande resseguradora global a se instalar no Brasil, em 1996. Ricardo Mariano, que toca as operações da Mapfre Re no país, lembra também que "outras empresas internacionais já atuam há algum tempo subscrevendo riscos brasileiros, mesmo não estando fisicamente instaladas no Brasil". Agora, com a abertura concreta do mercado, o órgão regulador passa a ser a Superintendência de Seguros Privados (Susep), ligada ao Ministério da Fazenda.
O mercado brasileiro de seguros é fortemente concentrado. Uma característica, aliás, de quase todo o mercado segurador - e também ressegurador - do mundo. Os três maiores bancos nacionais (Bradesco, Itaú e Unibanco) e a Sul América ING (associação da centenária seguradora brasileira com o banco holandês ING) dominam mais da metade dele. "Mas o processo de consolidação está apenas se iniciando", alerta Alonso, para quem esse movimento é marcado não só pelo desaparecimento de algumas pequenas seguradoras, mas também por uma melhor definição de foco e de nichos específicos para se trabalhar. "Esses nichos podem ser - num país das dimensões do nosso - regiões geográficas ou alta especialização em certos ramos do mercado."
O sócio da KPMG arrisca que em alguns anos o mercado segurador terá um perfil bem diferente no país. Segundo ele, o próprio processo de associação de bancos e seguradoras para operação no mercado de seguros já vem passando por algumas transformações, com os bancos abandonando seu papel de acionista para se dedicar mais à comercialização, sem participar do risco do negócio. "O movimento é recente e não é possível prever até onde irá."
Estima-se que a regulamentação da nova lei ainda demore três meses para ser concluída. O acirramento da concorrência que se seguirá, com a variável "preço" constituindo-se sempre no elemento crucial, tenderá a tornar as apólices mais em conta para os segurados. "São esperados novos investimentos e haverá incentivo à redução de custos", confirma João Marcelo Máximo Ricardo dos Santos, superintendente em exercício da Susep.
Mas o barateamento para os segurados, a ampliação do nível de eficiência das seguradoras e a maior capacidade de subscrição são vantagens a serem esperadas apenas no médio e longo prazos, entende o presidente da Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização (Fenaseg), João Elisio Ferraz de Campos. Embora ele ache que o fim do monopólio e o acesso a resseguradores especializados vá realmente despertar a criatividade das seguradoras, "que terão a chance de desenvolver logo novos produtos de acordo com as necessidades da sociedade."
Mais otimista, Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Grupo Bradesco de Seguros e Previdência - maior conglomerado de seguros da América Latina --, espera uma forte expansão do setor já no curto prazo. "Aliás, estamos em plena terceira fase do desenvolvimento do seguro que, em alguns anos, elevará a sua participação no PIB brasileiro dos atuais 3,5% para 5%", arrisca. No ano passado já houve um crescimento de 15,17% em relação a 2005. Pelos dados da Susep, em 2006 a arrecadação do mercado segurador brasileiro totalizou R$ 50,17 bilhões contra os R$ 42,56 bilhões em 2005.
Pelos cálculos de Cappi, a "terceira fase" começou há menos de um ano e meio. "Quatro anos atrás não havia um único investidor estrangeiro querendo botar dinheiro na indústria de seguros do Brasil", diz, acrescentando que nos últimos 15 meses investidores de fora colocaram mais de US$ 1 bilhão só nos ramos elementares, como automóveis.
Entre os anos 1950 e meados da década de 1990 os seguros representavam menos de 1% do PIB e essa pode ser considerada a primeira fase. Na segunda, inaugurada com o Plano Real de 1994, esse patamar foi evoluindo ano a ano até chegar aos 3,5% de hoje.
O presidente da Bradesco Seguros estima que a participação em 5% do PIB será alcançada em três ou quatro anos. "Nessa altura, quando o país já tiver sido alçado ao grau de investimento, terá início o quarto ciclo em que se galgarão os 7% do PIB e teremos um atestado cabal de que existe uma correlação entre IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] e consumo de seguro", prevê. Para ele, a etapa atual de expansão de venda de apólices deriva de que o Brasil está vivendo uma fase de crescimento do mercado de consumo. Alavancada por dois fatores: "um, o aumento do crédito, que saiu dos 20% para 34% do PIB, e outro os mecanismos de distribuição de renda, entre eles os programas assistenciais".
O presidente da Sul América ING, Patrick Larragoiti Lucas, concorda que o mercado de baixa renda - que permite o acesso desses consumidores a algum tipo de salvaguarda no caso do falecimento do arrimo da família - é visto com interesse por sua companhia. "Existe um potencial de mercado importante", diz. O desafio para a Sul América é encontrar o canal de distribuição ideal para esse tipo de segurado. "Como nós atuamos basicamente com corretores, precisamos criar uma estrutura especializada para esse segmento", conta. A companhia já estuda o lançamento de novos produtos de baixa renda.
De acordo com Campos, da Fenaseg, nesta fase de pré-regulamentação a expectativa maior é pela definição do capital mínimo, rating e capacidade econômica e financeira das companhias. São fatores que vão influenciar a escolha de uma das três formas definidas pela lei para as resseguradoras operarem no Brasil. "É importante também a regulamentação cambial, tanto para a movimentação em moeda estrangeira intra-setor, como para pagamento de prêmios, indenizações, despesas de liquidação de sinistros e demais contas decorrentes do contrato de resseguro."
O resseguro, chamado "seguro das seguradoras", é um sofisticado procedimento de engenharia financeira e atuarial para assegurar a solvência das seguradoras e evitar riscos sistêmicos, quando o evento inesperado seja de proporções tais (em obras de metrô e plataformas petrolíferas marítimas, por exemplo, no caso do Brasil, e terremotos ou furacões, no caso de outros países) que apenas uma delas, individualmente, não consiga cobrir o volume dos danos provocados. Pela lei que determinou a quebra do monopólio do IRB (empresa de capital misto, 51% estatal e 49% privado), está prevista a atuação de três tipos de resseguradores: local, admitido ou eventual.
O ressegurador local será aquele que se instalar no país. Esse tipo de ressegurador terá preferência de 60% de todas as operações de resseguros realizadas pelo mercado de seguros brasileiro nos três primeiros anos, e de 40% no período subseqüente. O admitido, com sede no exterior, deverá ter representação no país e estar cadastrado no órgão fiscalizador de seguros. Além disso, deverá ter capacidade financeira e rating. Já o eventual, com sede no exterior, também deverá estar cadastrado para realizar operações de resseguro e retrocessão, além de possuir capacidade econômico-financeira e rating.
Pelas expectativas de Fábio Luchetti, vice-presidente executivo da Porto Seguro - empresa com forte atuação na capital paulista -, não deve haver abertura de resseguradoras internacionais locais, pelo menos por enquanto. "O formato deverá continuar sendo o de escritórios de representação", prevê ele, para quem o IRB, apesar da obrigatoriedade, já vinha muitas vezes figurando como um agente intermediador da relação entre uma seguradora e o ressegurador.