Título: Ao lado do mais forte
Autor: Camba, Daniele e Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2007, EU & Investimentos, p. D1

Preocupados em ter os mesmos direitos que os controladores das companhias abertas, os investidores estão cada vez mais preferindo ações ordinárias (ON, com direito a voto) em vez de preferenciais (PN, sem voto). E a operação de compra do Grupo Ipiranga no mês passado fez com que os aplicadores se refugiassem ainda mais em ONs. Estudo elaborado pela Economática a pedido do Valor com as empresas do Índice Bovespa revela que a diferença de preços - conhecida como "spread" - entre ordinárias e preferenciais aumentou.

Segundo o levantamento, no fim de março, após o anúncio da compra, o "spread" médio entre ONs e PNs chegou a 7%. Isso significa que as ordinárias que fazem parte do Ibovespa valiam, em média, 7% mais que as preferenciais das mesmas empresas. Em dezembro do ano passado, a diferença era de 2% a favor das ONs. O resultado chama a atenção, já que as ações preferenciais normalmente possuem mais liquidez e oferecem dividendos maiores aos acionistas.

A operação da Ipiranga foi o grande motivo para o preço das ONs aumentarem ainda mais a distância sobre o valor o das PNs, acreditam os analistas. "A cada nova operação societária em que o investidor é surpreendido com tratamentos tão desiguais dado às ONs e às PNs, ele acaba preferindo as ações ordinárias", diz Gustavo Harckbart, analista da Fides Asset Management.

Com a compra do Grupo Ipiranga por Petrobras, Braskem e Ultra, as ONs das três empresas (Petróleo Ipiranga, Distribuidora e Refinaria) terão o direito de receber 80% do valor pago ao controlador, instrumento conhecido como "tag along". No caso das preferenciais, como as três empresas serão incorporadas, elas serão trocadas por outros papéis, numa relação de troca cujo preço é bem inferior ao que terão direito os que têm ON.

Pela nova Lei das Sociedades Anônimas (S.A.), implementada em 2001, todas as companhias abertas são obrigadas a dar "tag along" de 80% às ONs. Já para as PNs, as empresas podem optar por dar o "tag along" ou um dividendo maior. E a maioria acabou escolhendo a segunda opção. No entanto, os investidores só passaram a perceber o gosto amargo de não ter "tag along" nas PNs alguns anos depois, à medida que grandes empresas foram trocando de mãos.

Quando surge um evento societário, os investidores acabam se lembrando mais uma vez da importância dos direitos que as ordinárias asseguram, diz Pedro Rudge, da gestora Investidor Profissional. "As ações preferenciais sem o direito de 'tag along' acabam abrindo espaço para um desalinhamento de interesses entre os minoritários que detêm PNs e o controlador". Para ele, esse é mais um capítulo que reforça o movimento de valorização das ordinárias, que deve ao longo do tempo se consolidar definitivamente.

Mesmo com o "tag along" já em vigor, o mercado viveu por anos uma espécie de inércia, em que continuava prevalecendo o fato de as PN terem uma liquidez maior, diz Harckbart, da Fides. Segundo dados da Economática, em dezembro de 2001, o "spread" médio entre as ONs e PNs do Ibovespa era negativo em 8,3%, ou seja, as ordinárias do índice valiam, em média, 8,3% menos que as preferenciais.

O pico dessa diferença favorável às preferenciais ocorreu no fim de 2003, quando as PNs valiam 13,7% a mais que as ONs. Naquele ano, houve a primeira grande operação de troca de controle já sob as regras da nova Lei das S.A., a da Tele Centro Oeste Celular (TCOC). Na relação de troca da incorporação, os preferencialistas receberiam muito menos que os ordinaristas pelo "tag along". O negócio fez as ONs da TCOC valerem quase duas vezes o valor das PN, mas não foi suficiente para que isso se tornasse uma tendência no mercado.

"A operação de TCOC foi importante, mas era pequena para fazer todos os investidores se darem conta dos estragos que a falta de 'tag along' pode causar", diz André Querne, sócio da Rio Gestão de Recursos. Ele lembra também que o fato de o Ibovespa ter subido 97% em 2003 acabou ofuscando a operação e fez com que as PNs do índice se valorizassem mais. "Quando a bolsa sobe muito, como as PNs têm mais liquidez, são elas que o investidor procura", diz Querne.

Foi em 2004 que a história começou a mudar. Naquele ano, as ONs se valorizaram e a diferença de preço entre as duas classes de ações diminuiu. Segundo a Economática, as ações ordinárias passaram a valer, em média, apenas 5,1% a menos que as PN. Não por acaso, em 2004, ocorreu a operação da AmBev com a Interbrew, em que as ON da cervejaria brasileira tiveram "tag along" e as PNs ficaram a ver navios. Há um certo consenso entre os analistas de que a operação da AmBev foi um divisor de águas na importância que o investidor dava para o "tag along". "Foi uma operação enorme, que envolveu muitos minoritários e, por isso, serviu de lição", diz o sócio da Economática, Fernando Exel.

Em 2005, pela primeira vez, o "spread" entre ONs e PNs se inverteu e as ações ON do Ibovespa passaram a valer, em média, 9,8% mais que as preferenciais. Em junho do ano passado, essa relação chegou ao pico de 10,4% à favor das ONs graças à reestruturação societária da Telemar, que conferia às PNs uma relação de troca bem inferior ao "tag along" das ON. A operação acabou não sendo aprovada e isso, segundo analistas, fez o "spread" cair para 2% à favor das ONs, em dezembro. "Depois da AmBev, a reestruturação da Telemar mostrou para o mercado o quanto o controlador pode querer abocanhar o prêmio de controle, tirando valor dos preferencialistas", diz Harckbart, da Fides. A diferença entre as duas classes de papéis também está cada vez mais na mira dos investidores porque algumas empresas já começam a migrar do velho para o Novo Mercado, que só admite ações ordinárias

O gestor da ARX Capital Management Bruno Garcia lembra porém que há também casos positivos. "Além de algumas empresas que concedem o 'tag along' para as preferenciais, há aquelas que fizeram a migração de forma tranqüila, como foi o caso de Perdigão e Embraer", conclui.