Título: Mudanças climáticas ameaçam saúde da população do país, diz pesquisador
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2007, Brasil, p. A2

Propagação de doenças, fome, migração em massa. Para o pesquisador brasileiro Ulisses Confaloniere, um dos autores do relatório das Nações Unidas sobre potenciais catástrofes causadas pela mudança climática, o governo brasileiro precisa com urgência ''tentar entender'' a ameaça para a saúde da população. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Valor:

Valor: Até que ponto o Brasil está vulnerável nos cenários desse relatório?

Ulisses Confalonieri: A situação é preocupante. Mas falar em que espaço de tempo haverá impacto, é outra coisa. Há projeções globais de eventos climáticos extremos, tempestades, inundações, há modelos sobre malária e dengue para o mundo inteiro, e para a África em particular. Mas não há muito consenso. Dependendo do cenário de emissão de carbono, cada um traz resultado diferente. Para o Brasil não há estudo específico, mas redução de chuva em certas áreas é um problema sério, e as populações do Nordeste e Norte estariam em alto risco. Já estão hoje, sem os eventos extremos que os modelos de clima projetam. Há possibilidade de exacerbação de doenças respiratórias crônicas por conta do aumento da poluição. As zonas afetadas por escassez de água são críticas, há sempre aumento de diarréia.

Valor: E o impacto na agricultura?

Confalonieri: Os modelos de clima projetam para a primeira metade deste século a redução na produção de alimentos nos trópicos, por causa da redução de chuvas. Haveria ligeiro aumento no hemisfério norte, com clima temperado. Onde há escassez de alimentos, há problema de saúde nas populações e boa parte no Brasil compõe um quadro vulnerável. O relatório projeta mais migração. Esses cenários ainda vão ser feitos brevemente para o Brasil. Mas, se mudar o clima do Nordeste, a leishmaníase visceral ( doença endêmica que ataca os orgãos internos) tende a se redistribuir com migrações humanas. A malária da Amazônia já se redistribui parcialmente com migrações dentro da própria região. Se as migrações passam a ser de uma região para outra, há o risco de redistribuição de doenças tropicais endêmicas. A própria dengue, que já está praticamente no país inteiro, pode ter um período de transmissão mais prolongado.

Valor: Haverá necessidade de mais medicamentos?

Confalonieri: Haverá necessidade geral dos sistemas de saúde melhorarem sua eficácia para controlar malária, dengue, doenças vulneráveis à variação do clima. Haverá aumento da carga de doenças globalmente e sobre os serviços de saúde. No Brasil, 80% da população depende da saúde pública. Imagine então os estresses adicionais causados pelas modificações ambientais e as conseqüências sociais e econômicas na população.

Valor: O governo brasileiro está atento à dimensão do problema?

Confalonieri: O Brasil está atrasado. O governo tem que tentar entender o que significa mudança climática na área da saúde. Isso não é um item importante na agenda saúde publica ainda. Falta o governo ter um plano integrado de adaptação aos impactos climáticos, como já têm outros países, inclusive da América do Sul. A Colômbia já tem seu plano, que inclui saúde. O Brasil está atrasado, mas começa a abrir os olhos. A ministra do Meio Ambiente, Marina da Silva, está se mobilizando para para coordenar um órgão executivo. O governo precisará criar sistemas de alerta para a defesa da população. É necessário monitorar as populações que vivem áreas de risco, que são zonas urbanas para chuvas intensas e inundações, zonas rurais para secas e inundações. As populações de baixa renda, de baixa escolaridade e de habitação precária são evidentemente as mais vulneráveis e estão distribuídas em várias partes do país. As instituições de pesquisas e as universidades brasileiras precisam produzir modelos de vulnerabilidades. O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, por sua vez, é uma instância que deverá mobilizar também o setor de negócios.