Título: Reajuste de salário bate inflação no 1º tri
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2007, Brasil, p. A3

Os trabalhadores com data-base no primeiro trimestre do ano conseguiram, mais uma vez, reajustes salariais acima da inflação. No entanto, mesmo com um patamar inflacionário inferior a 3%, menor do que no início do ano passado, que estava ao redor de 4,5%, muitas categorias não foram capazes de negociar aumentos reais acima de 1,5%.

No Rio Grande do Sul, o Sindicato dos Trabalhadores em Fiação e Tecelagem de Caxias do Sul garantiu um aumento de 3,5% em janeiro deste ano. O salário dos 1,5 mil trabalhadores do setor teve ganho real de 0,67%. No entanto, mesmo para se chegar a um percentual pouco comemorado pela categoria, foi preciso que representantes dos trabalhadores e dos empresários se reunissem por três vezes.

Nurimar Valmini, diretor do sindicato, conta que boa parte dos trabalhadores se decepcionou com os reajustes, mas que ele está de acordo com o que muitas outras categorias conseguiram neste ano. "Não criamos falsas expectativas em nossos filiados. Jogamos limpo e vamos negociar com o pé no chão, porque sabemos como é difícil fechar acordos vantajosos para nós." O trabalhador, diz ele, prefere aceitar um reajuste real menor do que levar a decisão para a Justiça do Trabalho. "Lá corremos o risco de sair pior do que entramos."

O supervisor do escritório regional de São Paulo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), José Silvestre de Oliveira, diz que os brasileiros ainda passam por um processo de mudança de visão em relação à inflação. Segundo ele, como o país teve, durante muito tempo, hiperinflação, com variações de preços chegando a até quatro dígitos em alguns anos, os trabalhadores torcem o nariz para reajustes de um dígito.

No entanto, "para uma inflação anual que varia entre 3% e 4%, aumentos de 1% além da inflação acumulada em 12 meses não são de jeito nenhum desprezíveis", afirma Oliveira. O problema, diz o supervisor, é que os salários no Brasil são muito baixos e agora, com os preços mais estáveis, os trabalhadores precisam buscar não mais a recomposição da inflação, mas um patamar mais alto de rendimento para todos. "A tendência é que se migre da discussão sobre a inflação passada para a questão do poder de compra futuro dos salários", acredita.

Enquanto isso não acontece, os sindicatos, quando não fecham acordos com elevações reais muito significativas, tentam compensar os trabalhadores com melhorias nas demais cláusulas econômicas.

Mesmo conquistando reajuste real de 1,5%, os representantes do trabalhadores nas empresas de processamento de dados do Estado de São Paulo, por exemplo estão atrás de outras vantagens. Após a negociação coletiva em janeiro, data-base da categoria que tem 60 mil assalariados, agora eles buscam acordos individuais com as empresas para reajustar também em 4,3% (inflação mais 1,5% de ganho real) os vales-alimentação e refeição.

João Batista, diretor da área fiscal do Sindped, sindicato que representa os empregados do setor de processamento de dados no Estado, conta que, na negociação deste ano, o pedido inicial foi de um reajuste de 8%, o que significaria incremento real de 5,2% nos salários.

"Mas, efetivamente, foi difícil chegar até mesmo aos 4,3% nas negociações", relata Batista. Ele diz que os trabalhadores ainda pensam como no tempo em que a inflação avançava dois dígitos por mês e acabam vendo um aumento entre 1% e 1,5% como muito pequeno. "Só que nós mostramos a eles que as demais categorias também estão fechando acordos nesse patamar. E que nós, inclusive, conseguimos até mais do que muitos outros sindicatos", explica o sindicalista.

Os professores das escolas privadas de Santa Catarina não tiveram a mesma sorte. Após cinco rodadas de negociações, não chegaram a um acordo com os patrões e acabaram na Justiça do Trabalho, com o processo de dissídio coletivo que ainda não foi julgado. Com data-base em março, eles reivindicavam a inflação acumulada nos 12 meses anteriores, de 3,12%, mais um aumento real de 1,5%. Os donos das escolas, contudo, ofereceram apenas a recomposição das perdas inflacionárias. Segundo Antonio Bittencourt, presidente do sindicato que representa esses docentes em Santa Catarina, colégios e faculdades têm investido muito em tecnologia e infra-estrutura, mas deixam de lado o investimento em pessoal e em capacitação.

Há setores que não tiveram desempenho tão bons no ano passado e, ainda assim, seus trabalhadores foram capazes de negociar acordos vantajosos. Foi o caso dos sapateiros de Franca (SP). Com a exportação de calçados prejudicada pela valorização cambial, muitas empresas demitiram funcionários ao longo de 2006. Entre admitidos e demitidos, o saldo ficou negativo em 1.972 postos no setor. Ainda assim, Paulo Afonso Ribeiro, o presidente do sindicato da categoria encabeçou uma campanha salarial que obteve reajuste de 5%, sendo que 2,2% foram acima da inflação acumulada nos 12 meses anteriores a fevereiro.

Os colegas sapateiros de Sapiranga, cidade gaúcha do Vale dos Sinos, estão em uma situação menos confortável. Do Rio Grande do Sul sai cerca de 70% da produção brasileira para exportação. Com o dólar encostando no patamar de R$ 2, as empresas perderam contratos e também demitiram trabalhadores. Júlio Cavalheiro Neto, presidente do sindicato da categoria, calcula que, de 2004 a 2006, 21 empresas foram fechadas e 4,5 mil pessoas ficaram sem emprego.

Os efeitos dessa retração da atividade foram sentidos na negociação deste ano. O reajuste real foi de 1%, conseguido a muito custo, segundo o líder sindical. "Sabemos que isso é pouco, mas já consideramos uma vitória, porque nossa indústria está em crise", explica Neto. O pedido inicial dos trabalhadores era um aumento total de 10%, que representaria ganho real de 7%.

Os gaúchos que trabalham com fiação e tecelagem também sofrem com o câmbio e a concorrência chinesa. Os trabalhadores nessas indústrias tiveram um aumento de apenas 0,67% além da inflação, que estava em um patamar baixo, de 2,81% nos últimos 12 meses anteriores a janeiro.

O economista Sergio Vale, da MB Associados, acredita que o cenário para o rendimento neste ano ainda é positivo, mas se preocupa com os efeitos do câmbio valorizado sobre o emprego. "Já faz tempo que ele está afetando os setores intensivos em mão-de-obra, principalmente, mas em breve vai respingar naqueles que sofrem com a competição de produtos importados", alerta. Aí, segundo ele, mesmo com uma inflação baixa, entre 3% e 3,5%, ficará bem mais difícil negociar aumentos reais significativos nos salários.