Título: Vestibular da frigideira
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 05/12/2010, Política, p. 2

Entre ter o nome indicado à Esplanada e ser confirmado, há um intenso jogo de exposição a aliados, inimigos e imprensa Tiago Pariz

Nada mais corriqueiro no mundo político do que a cobiça por cargos. Posto de destaque em um governo significa aumentar a respeitabilidade no mundo dos partidos, elevar as ambições para a carreira e ter dinheiro público à disposição para a base eleitoral. Ganhar um ministério ou uma secretaria faz o político deixar a planície, a vala comum. Nos convescotes oficiais e informais, representa ser bajulado e diminuir o número de pessoas a bajular.

Para chegar a esse posto, é preciso resistir a um processo longo, fatigante e dolorido: a fritura patrocinada por políticos aliados, inimigos e pela imprensa. Na montagem do ministério da presidente eleita, Dilma Rousseff, a frigideira já funcionou cerca de 20 vezes (veja o quadro). Esse fenômeno é tão ou mais corriqueiro que a cobiça. A fritura consiste em divulgar o nome de um político cotado para determinado posto e avaliar se, no jargão do Congresso, ele tem ¿densidade¿. Isso nada mais é do que saber se o tal nome carrega denúncias pesadas de irregularidades na Justiça ou se coleciona inimigos políticos com mais costas quentes ou ¿densidade¿. Em suma: se tem telhado de vidro.

Desde que Dilma foi eleita, ninguém foi mais fritado na discussão sobre o futuro governo que a ex-prefeita paulistana, Marta Suplicy. Ex-ministra do Turismo, responsável pela famosa frase do ¿relaxa e goza¿, em pleno caos aéreo, foi lembrada para ocupar a cadeira da Educação, Cidades e até para voltar para a antiga pasta. Nada funcionou. Em qualquer roda de conversa, o nome não resistia à primeira pergunta. A rejeição começou com o próprio presidente Lula e se alastrou por quase todos os partidos aliados. Ninguém queria ver a pregação da tranquilidade sexual novamente bradada na Esplanada.

Precoce O caso clássico desta transição é o da suposta nomeação de Sérgio Côrtes ao Ministério da Saúde. Secretário estadual, ele era o preferido do PT, de setores do PMDB e até da presidente eleita ¿ o ortopedista tem no currículo a criação das Unidades de Pronto Atendimento, bandeira de Dilma na campanha. O nome foi rejeitado depois que o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), divulgou que estava tudo certo. Dilma ficou irritada com a ansiedade de Cabral por ele ter queimado a indicação. A presidente eleita gostaria de ver os peemedebistas abraçando Côrtes como uma indicação do partido. O que se viu foi uma forte reação do PMDB. ¿Acho que o Sérgio Côrtes dormiu ministro e acordou outra coisa. A forma com que o nome dele foi anunciado acabou servindo para enfraquecê-lo¿, afirmou o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR).

Há também o caso de autofritura atabalhoada. Aconteceu com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Lula pediu e fez lobby para Dilma Rousseff manter o chefe da autoridade monetária no cargo. Havia inclinação a fazer de Meirelles, com algum exagero, o Alan Greenspan tupiniquim ¿referência ao chefe do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos, que ficou na cadeira por pouco mais de 18 anos. Mas o próprio presidente do BC cavou a saída quando mandou recado através da imprensa dizendo que não aceitava a mera continuidade. Acabou limado.

Outro nome queimado antes da largada é o da deputada Manuela D¿Ávila (PCdoB) e a culpa é toda da presidente eleita. Antes de conversar com o PCdoB, Dilma pediu que seus interlocutores sondassem a parlamentar sobre a possibilidade de ela ocupar o Ministério do Esporte. Sem conversar com os comunistas, a indicação naufragou. Nos bastidores, o partido pregou que ela não tinha experiência, mas abertamente argumentou que tem outros planos para Manuela: disputar a prefeitura de Porto Alegre.

Autofagia O PT montou a própria frigideira. Integrantes do partido elaboraram dossiês com os dados pouco republicanos dos nomes que não gostaria de ver na administração Dilma. Um dos alvos foi o do ex-ministro Alfredo Nascimento (PR), que quis voltar à pasta dos Transportes.

Aliás, nesse cargo, cobiçado por todas as legendas em função da lista de obras que toca no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do orçamento polpudo, a queimação ocorreu sem parar: foram rejeitados o senador Cesar Borges (PR-BA), o deputado Milton Monti (PR-SP), o ex-governador do Rio Moreira Franco (PMDB) e até o atual ministro, Paulo Sérgio Passos.

Com a frigideira quente, todos os políticos lembrados a algum posto tentam despistar, minimizar. Ninguém quer ser demitido sem nunca ter assumido. O ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, nome certo para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, saiu-se com essa numa conversa informal. ¿Só acredito quando sair (a nomeação) no Diário Oficial.¿