Título: Emissão de ações altera estrutura de capital
Autor: Balarin, Raquel e Adachi, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2007, Empresas, p. B6

O crescimento do mercado de ações é responsável por uma profunda transformação nas empresas brasileiras. Reduziu a informalidade, aumentou a produtividade, profissionalizou a gestão e conferiu maior transparência. As mudanças são bem-vindas, mas o que motivou de fato os empresários foi a possibilidade de capitalizar suas empresas. Diante da abundância de ofertas, porém, é inevitável a pergunta: será que as empresas utilizam essa nova fonte de recursos corretamente?

Tornou-se comum ouvir que captar dinheiro em bolsa está barato. Mas o que diz a teoria financeira é exatamente o oposto: as ações são a mais cara fonte de financiamento. No longo prazo, a empresa só emitiria ações se os investidores acreditassem que iriam receber, em dividendos ou reinvestimento (lucros acumulados), mais do que a empresa, alternativamente, pagaria como juros. "Isso é custo, e é custo mais alto que o de dívida", diz William Grava, diretor do banco BBVA no Brasil.

Essa é a base da chamada teoria tradicionalista, que predomina no mercado financeiro. Os tradicionalistas sustentam que há sempre uma estrutura de capital "ótima", em que a empresa capta recursos com o menor custo possível. O ideal seria que a empresa, esgotado o capital próprio, recorresse a endividamento. "A partir de um determinado ponto de alavancagem, o mercado percebe que há um risco de liquidez da empresa e seu custo de capital aumenta. Só a partir daí a empresa deveria emitir ações", explica Paulo de Sá Pereira, gerente de renda variável da Fundação Cesp.

Isso é teoria. Mas, na prática, nem sempre os mercados são perfeitos. "Na média, o Brasil viveu épocas em que o custo da dívida desafiava a lógica de que o custo das ações era o mais alto", diz Augusto Korps, vice-presidente da consultoria Stern Stewart no Brasil. Esse ambiente de altas taxas de juro criou, mesmo entre as empresas, uma espécie de aversão a dívidas. Ter dinheiro em caixa soa bem, ainda que isso não signifique que o dinheiro está sendo empregado da maneira mais eficiente.

Fica claro no levantamento feito pelo Valor que boa parte das empresas que recorreram à bolsa não tinham um alto endividamento e hoje estão com uma dívida líquida extremamente baixa ou até zerada. A Duratex tinha uma dívida líquida de R$ 162,6 milhões em 2005. Depois da oferta, a posição se inverteu e seu caixa líquido ao fim do ano passado era de R$ 158,5 milhões. A Perdigão reduziu sua dívida líquida de R$ 1,2 bilhão à metade depois da oferta.

Muitas empresas que responderam a pesquisa indicam que, no curto prazo, têm planos de emitir títulos de dívida. A Copasa, companhia de saneamento de Minas Gerais, é um exemplo. A empresa pretende ampliar a participação de dívida na sua estrutura de capital dos atuais 60% para 70%. "Essa seria a estrutura ideal. Nossa alavancagem é de 1,8 vez o lajida [resultado operacional] e temos em mente que 2,5 vezes seria bom para a empresa", diz Ricardo Simões, diretor financeiro da Copasa.

Encontrar a estrutura de capital ótima não é uma tarefa fácil e pode depender do estágio de evolução da empresa. Korps, da Stern Stewart, diz que é natural que companhias em fase de crescimento acelerado procurem se financiar via bolsa. "Empresas de rápido crescimento têm resultados voláteis. E enquanto os juros das dívidas são fixos, os dividendos só são pagos quando há lucro", explica. Para empresas maduras, o caminho é a dívida.

Além dos altos juros no Brasil, outro fator conjuntural pode estar desafiando a teoria financeira e levando mais empresas a emitir ações em bolsa. Há hoje sobra de dinheiro no mundo e os juros internacionais estão baixos. Ávidos em aplicar esses recursos em algo que renda um pouco mais, os investidores têm concordado em pagar prêmios elevados pelos papéis - especialmente em países com potencial de crescimento.

Atentos a esse movimento, os controladores das empresas têm aproveitado para vender parte de suas ações (ofertas secundárias), ao mesmo tempo em que capitalizam a companhia. Para alguns, a disposição dos controladores em diminuir sua participação na empresa emite um sinal negativo. "Eles são 'insiders'. Se acham que é um bom momento para vender suas ações é porque, em tese, não acreditam que a empresa vai ter tanta rentabilidade no futuro", diz Cláudio Haddad, presidente do Ibmec São Paulo. Para outros, porém, a decisão é simplesmente baseada no fato de que a bolsa não foi sempre uma opção de liquidez para o empresário.

Não fosse a ineficiência dos mercados, segundo Haddad, a estrutura de capital não deveria ser tão importante. A teoria de Modigliani-Miller, de 1958, anterior à dos tradicionalistas, defende que a origem do capital é irrelevante. O que importa é a rentabilidade a longo prazo dos ativos reais. Não interessa como o resultado será dividido mais tarde entre credores e acionistas. "Mas é prudencial ter uma estrutura de capital mais balanceada, que não tenha só dívida", diz. Para ele, a bolsa ocupou um espaço importante para equilibrar essa equação. "Espero que tenha vindo para ficar."