Título: Limites à importação deixam empresas argentinas criativas
Autor: Muñoz , Sara Schaefer
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2012, Empresas, p. B10

A Newsan SA fez nome na Argentina fabricando telas para televisores de plasma e câmeras de vídeo JVC. Mas, no ano passado, a companhia de eletrônicos se ramificou numa direção surpreendente: criou uma empresa para pescar, congelar e exportar camarões e merluza.

A decisão não teve nada a ver com o plano estratégico da companhia e tudo a ver com contornar as políticas macroeconômicas cada vez mais heterodoxas da Argentina, que muitas empresas do país começam a considerar uma dor de cabeça.

No ano passado, o governo da presidente Cristina Kirchner procurou conter a saída de dólares, ajudar as empresas e proteger a indústria local criando uma nova política de comércio que permite importações de produtos estrangeiros somente se elas forem igualadas por exportações.

Para cumprir a lei, a Newsan agora vende cerca de 3.600 toneladas de frutos do mar para compradores na Europa, Rússia, China e outros países - isso para poder importar os componentes eletrônicos necessários para seu negócio principal. Ela está também cogitando exportar biocombustíveis.

Tais negócios são uma solução de curto prazo para empresas às voltas com a restrição à importação, mas críticos dizem que eles as tornam menos eficientes e que os empregos que criam podem desaparecer se o governo mudar sua política. De fato, as autoridades argentinas estão agora avaliando se tais negócios poderão continuar, disse uma pessoa próxima do governo.

Outras empresas também acharam maneiras incomuns de seguir as regras. A fabricante de pneus Pirelli & C SpA ajudou a exportar mel local para compensar o valor das importações, e a subsidiária da BMW AG na Argentina concebeu um acordo para exportar couro, um tipo de suco de uva e toneladas de arroz para poder importar os carros e motocicletas que ela vende.

"Arroz não é o negócio da BMW, mas tínhamos que achar uma solução", disse Dan Christian Menges, um porta-voz da montadora na Argentina. A BMW criou até um cargo no país encarregado de realizar esses negócios, o "gerente de exportação".

Essas iniciativas são um retorno ao protecionismo tão popular na política econômica da América Latina nos anos 60 e 70, mas que nas últimas décadas foi em grande parte descartado à medida que o livre comércio despontava como um estimulante do crescimento. Mais recentemente, ele começou a despontar em alguns países por motivos diversos - inclusive no Brasil, onde o governo resolveu inibir certas importações em face da valorização do real.

Na Argentina, reviver essas políticas foi uma tentativa de amparar uma economia em dificuldade, que cresceu só 0,7% no terceiro trimestre em relação a um ano antes e que vem afundando diante de uma inflação galopante, estimada por economistas independentes em cerca de 25% ao ano. Kirchner está se agarrando à doutrina peronista que remonta às suas origens políticas.

"Há um resultado de curto prazo positivo em termos de emprego e lucratividade [das empresas]", disse Daniel Hoyos, diretor do departamento de economia da Universidade Nacional do Centro da Província de Buenos Aires. "Mas as empresas são criadas para tirar proveito das regras. Quando as regras mudam, as empresas somem."

A política é motivada também pelos controles de câmbio da Argentina, que limitam as compras das pessoas em dólar e outras moedas estrangeiras. As reservas de dólar do país vêm declinando este ano porque muitos argentinos - preocupados com a debilidade da economia e as políticas econômicas do governo - têm tentado cada vez mais obter dólares e guardá-los no exterior.

Forçar empresas a gerar dólares com exportações para pagar pelas importações teoricamente reduziria a fuga da moeda.

Esta, porém, continua a escapar do país. Os argentinos sacaram bilhões este ano dos seus depósitos bancários em moedas estrangeiras, a grande maioria em dólar, embora o fluxo tenha recentemente diminuído.

Kirchner e seus ministros já disseram em público que suas políticas são necessárias para proteger o emprego dos argentinos das importações baratas. Autoridades acusaram as potências mundiais de tentar despejar seus excedentes de produção na Argentina devido à fraqueza da demanda nos seus próprios mercados.

A política aumentou o superávit da balança comercial argentina no início, mas o crescimento arrefeceu recentemente. Em novembro, o superávit subiu 74% comparado com o ano anterior, para US$ 634 milhões, segundo dados do governo. Já as importações daquele mês diminuíram 6% ante um ano atrás, para US$ 5,83 bilhões, resultado de uma queda de 2% no volume e de 4% nos preços.

As políticas comerciais da Argentina provocaram uma enxurrada de reclamações dos membros da Organização Mundial do Comércio.

Um porta-voz de Guillermo Moreno, secretário de comércio interior da Argentina e considerado por muitos o arquiteto da política de importação do país, não quis comentar. Uma pessoa do governo que conhece os controles de importação disse que eles foram "criados com a melhor das intenções para ajudar os mercados internos [...] numa emergência [econômica], foi preciso tomar essas medidas".

Em muitas das transações de importação-exportação, os importadores pagam uma comissão de cerca de 10% para o exportador para que este se torne o exportador oficial de alguns dos produtos deles - o que aumenta o custo dos importadores.

O próspero setor de vinhos da Argentina, que exportou US$ 865 milhões no período de 12 meses encerrado em outubro, fez dos produtores da bebida parceiros requisitados por empresas que desejam importar. Javier Merino, diretor da Area del Vino, uma consultoria do setor, estima que cerca de 15% a 20% do vinho que deixa a Argentina hoje é exportado por empresas como fabricantes de eletrônicos, firmas de autopeças ou outras à procura de créditos de importação.

Esses arranjos "dão uma aparência" de exportação para contornar obstáculos, disse Merino. "No nosso setor, esses acordos vêm funcionando muito bem, e para ambas as empresas."

Mas os economistas alertam que as empresas importadoras estão arcando com pesados custos reais e administrativos.

"É como um imposto para os importadores, mas que cria um monte de ineficiência", disse José Antonio Ocampo, professor de assuntos internacionais da Universidade Columbia, dos EUA.