Título: Brasil e os desafios nas mudanças de clima
Autor: Lutes, Mark e Born, Rubens
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2007, Opinião, p. A13

Nos últimos meses, a mídia brasileira está alertando com urgência sem precedentes sobre os perigos das mudanças climáticas globais causadas pelas ações humanas. A conclusão não pode ser mais clara: para salvaguardar o próprio planeta devemos implementar ações preventivas e corretivas contra este desastre anunciado.

Esse alerta está sendo reforçado por uma série de estudos científicos e econômicos internacionais. No último ano, um estudo econômico encomendado pelo governo britânico e preparado pelo economista Nicholas Stern comparou os custos de reduzir emissões com gastos gerados caso não aconteça a redução de emissões. A não redução resultaria numa perda de 5 a 20% do PIB global, superando em muito os custos de prevenir as mudanças climáticas, de cerca de 1%. Em Paris, no dia 2 de fevereiro, foi publicada a primeira parte de um conjunto de estudos do Painel Intergovernamental de Mudanças de Climáticas (o IPCC, na sigla em inglês), a maior autoridade mundial da ONU na área, e que a cada 5 anos produz uma síntese de todo o conhecimento científico sobre mudanças de clima.

Estes estudos globais estão sendo complementados no Brasil por outros feitos por pesquisadores do INPE (Instituto Tecnológico de Pesquisas Espaciais, do ministério da Ciência e Tecnologia), que acaba de divulgar, em Brasília, na semana passada, um relatório sobre os impactos de tais mudanças no clima no Brasil. Todos os estudos reforçam a tese, adotada pelos ambientalistas e pela União Européia, de que não se pode permitir que o aumento da temperatura media global ultrapasse os 2° C acima dos níveis pré-industriais. Limitar o aquecimento da Terra neste patamar não evitaria todos os danos causados pela interferência das atividades humanas no clima, mas pode reduzir ou evitar os impactos mais danosos e catastróficos.

Esta meta é, de fato, ambiciosa, mas necessária. Exigirá transformações no uso de energia, dos recursos naturais e dos padrões de consumo em todos os países que tenham emissões significativas. E, certamente incluirá o Brasil.

É muito urgente e justo que os países industrializados reduzam drasticamente suas emissões e apóiem os esforços de outros países para que se encontrem alternativas de desenvolvimento, também diminuindo suas próprias emissões e que não sejam tão dependentes de combustíveis fósseis. Mas reduções de emissões de países industrializados, ainda se pudessem ser reduzidas ao menor patamar possível, não resolveriam o problema. O motivo é simples: as emissões de gases-estufa dos países em desenvolvimento estão crescendo rapidamente e esta curva logo alcançará a dos países industrializados.

O que falta é um regime multilateral abrangente e efetivo, que distribua responsabilidades de forma justa entre todos os países do mundo, e capaz de controlar as emissões globais na escala necessária.

-------------------------------------------------------------------------------- O Brasil poderia liderar uma discussão entre os países em desenvolvimento sobre a distribuição justa dos esforços globais de redução das emissões --------------------------------------------------------------------------------

Muitos elementos essenciais deste regime já estão presentes no âmbito da Convenção das Nações Unidas para Mudanças de Clima e do Protocolo de Kyoto, porém a evolução destes acordos internacionais anda de forma muito vagarosa. A tarefa que os países enfrentam, nas negociações internacionais em curso em 2007, é como avançar buscando adotar um mandato de negociação que possa levar a medidas e compromissos que constituam um regime global a ser implementado depois de 2012, quando o primeiro período do Protocolo de Kyoto se encerra.

O desafio das negociações internacionais em pauta agora é de aprofundar os compromissos dos países desenvolvidos, e estender obrigações para outros países numa forma justa, e ao mesmo tempo, reforçar as metas de desenvolvimento sustentável e de redução da pobreza.

É claro que os países industrializados devem assumir a liderança na redução das emissões. Esse é o motivo pelo qual são eles os únicos países a terem compromissos de redução de emissões no primeiro período do Protocolo de Kyoto, entre 2008 e 2012. O progresso dos países industrializados na redução das emissões globais tem sido desalentador e a ausência dos Estados Unidos no Protocolo de Kyoto são motivos de preocupação em todo mundo. Mas não podemos nos dar ao luxo de esperar para ver o que os países industrializados estão fazendo com seus próprios compromissos, para depois decidir o que vamos fazer.

A União Européia acaba de adotar o compromisso unilateral de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 20% até o ano de 2020 e em 30% se outros países industrializados adotarem metas similares. De fato, a redução de 30% até 2020 é um passo importante na direção de cortes de 70% a 90% necessários até 2050, e uma demonstração que eles estão preparados para fazer sua parte no esforço de estabilizar as emissões globais antes de 2020.

Uma questão pendente é sobre quais novos compromissos e contribuições os países em desenvolvimento deveriam adotar depois de 2012. Obviamente não se espera dos países mais pobres obrigações de limitar suas emissões, que já são muito baixas. Além disso, supõe-se que são estes países os que podem sofrer mais pelos impactos de mudanças climáticas. Mas alguns países em desenvolvimento, como Coréia do Sul, Singapura, Kuwait e outros, incluindo o Brasil, têm condições de contribuir mais para o avanço do processo.

O Brasil poderia liderar, imediatamente, uma discussão entre os países em desenvolvimento sobre o que seria esta distribuição justa e eqüitativa dos esforços globais de redução das emissões.

Como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, deixou claro recentemente "não vale jogo de empurra-empurra. É importante que todos cumpram a sua parte". Se os negociadores brasileiros puderem usar sua experiência e habilidade de forma construtiva para garantir uma união mundial, então eles poderão ter êxito, respeito e admiração de todos por proteger as florestas brasileiras, o abastecimento de água, o sistema climático global, a agricultura, a saúde, as comunidades costeiras e a vida das futuras gerações.

Rubens Borné diretor-executivo do Vitae Civilis - Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz ( www.vitaecivilis.org.br ).

Mark Lutes é pesquisador da ONG Vitae Civilis, sociólogo e especialista em mudança climática. Ambos participam, há vários anos, das conferências da ONU que discutem questões climáticas.