Título: Favorito no Paraguai luta contra imagem de criminoso
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 07/01/2013, Internacional, p. A11

O favorito para ganhar as eleições presidenciais no Paraguai em abril, o empresário Horacio Cartes, 56 anos, dedica boa parte de suas entrevistas e de sua propaganda em rádio e TV para tentar convencer seu eleitorado de que não é narcotraficante, contrabandista, doleiro e nem está envolvido em lavagem de dinheiro.

Cartes venceu em 9 de dezembro as eleições internas da Associação Nacional Republicana, conhecida como Partido Colorado, com 497,2 mil votos, ou 60% dos 833,4 mil votantes. Foi uma demonstração de força dentro da sigla, que reuniu na sua disputa interna nada menos que um em cada quatro dos eleitores paraguaios.

Mesmo após perder a Presidência em 2008, o Partido Colorado segue como a principal força do país, herança da ditadura de 35 anos de Alfredo Stroessner, quando a filiação ao partido era essencial para ter acesso a serviços e empregos públicos. A sigla se beneficia da divisão partidária que ocorreu depois da queda do presidente Fernando Lugo em junho de 2012, que desfez a aliança entre partidos de esquerda e o centrista PLRA.

Cartes filiou-se ao partido apenas em 2009 e seu poder econômico como dono de um conglomerado de 26 empresas (entre elas uma indústria de tabaco, outra de bebidas e um banco) e cartola do clube de futebol campeão de 2012 no Paraguai, o Libertad, se tornou a credencial para sua candidatura.

Ele atribui a seus próprios adversários internos a torrente de acusações que o mantém na defensiva. "Gente do meu partido foi distribuir dossiês pelas embaixadas", disse o empresário em entrevista em maio. A estratégia parece ter causado impacto. Em julho, o presidente do Uruguai, José Mujica, comentou que setores do Partido Colorado estavam muito ligados "ao fenômeno do narcotráfico". Cartes se defendeu em nota onde afirmou: "Não me sinto aludido".

Segundo admite em sua página na internet, Cartes foi preso nos anos 80 acusado de fraude cambial. A acusação era de que a casa de câmbio do hoje candidato simulava importações de automóveis para conseguir a liberação de dólares pela cotação oficial e, em seguida, os revendia na cotação paralela. "Isso aí foi evasão de divisas. Não eram as casas de câmbio que conseguiam liberar os dólares preferenciais. Eram os figurões do regime de Stroessner", confirmou Cartes em uma entrevista ao Canal 13 do Paraguai. O empresário terminou absolvido em 2008.

Cartes colocou à disposição na internet uma sentença do Superior Tribunal de Justiça (STJ) brasileiro sobre o processo em que toda a direção do banco Amambay, de sua família, era acusada de evadir dinheiro do Brasil, por meio de carros-fortes que teriam feito 732 travessias da fronteira nos anos 90. A sentença do STJ concluiu que a ação não poderia ser considerada crime de acordo com a legislação brasileira vigente nos anos 90.

O empresário também admite que um avião carregado de cocaína foi encontrado em uma fazenda sua em 2000. Uma representação assinada por seus advogados está em sua página na internet e afirma que o avião não era do empresário e que o próprio Cartes havia mandado inutilizar a pista de pouso, para que não fosse usada por aeronaves clandestinas. O empresário não chegou a ser processado.

O Paraguai está suspenso do Mercosul desde junho, após a destituição pelo Congresso do então presidente, Fernando Lugo, em um processo de impeachment que durou apenas 48 horas.

O presidente Federico Franco, do PLRA, apoia formalmente o ex-ministro Efraín Alegre, do seu partido. As forças luguistas apoiam o radialista Mario Ferreyro. O quarto candidato é o general Lino Oviedo, da direitista Unace. Atacado dentro e fora do país, Cartes se destaca pelo mais moderado discurso em relação à suspensão.

"O Paraguai tem uma população economicamente ativa de 3 milhões de pessoas, e 900 mil empregos dependem do Mercosul. A indústria brasileira quer vir para cá para ganhar competitividade para enfrentar a China. Não podemos reeditar o clima da Tríplice Aliança. Temos que deixar a soberba de lado e nos reinserir", disse Cartes em entrevista à rádio Ñandutí, a principal do país. A Tríplice Aliança foi a aliança formada por Brasil, Argentina e Uruguai em 1865 para combater e derrotar o Paraguai na guerra que durou até 1870.

"Cartes se julga o favorito e busca com esse tipo de colocação construir a legitimação externa de seu possível mandato. Não quer correr o risco de ser visto como o homem que vai manter o Paraguai isolado por cinco anos", disse o cientista social Gustavo Rojas de Cerqueira César, do centro de pesquisas Cadep, mantido pelo ex-ministro da Fazenda Dionisio Borda, dos governos de Nicanor Duarte (2003-2008) e Fernando Lugo (2008-2012). Procurado, Cartes não quis conceder entrevista.