Título: Grandeza para enfrentar turbulência institucional
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/01/2012, Opinião, p. A12

Exemplo disso é a decisão anunciada tanto pelo atual como pelo provável futuro presidente da Câmara de não acatar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de cassar o mandato de deputados.

Em algum momento, Congresso e STF terão de enfrentar essa questão, coisa de pelo menos seis meses, na opinião de alguns juristas, ou de um ano para ano e meio, na opinião de outros.

Imagine-se o inusitado da cena. O STF despacha as ordens de prisão dos deputados condenados no julgamento do mensalão, em exercício de seu mandato preservado pelos pares, o presidente da Câmara diz que não cumpre a ordem e o Supremo então manda prender o presidente da Câmara.

O problema é que a Polícia Federal, a quem caberia executar a ordem, não pode entrar nas dependências do Congresso a não ser por expressa autorização de quem deveria prender, o presidente da Câmara dos Deputados.

Uma autêntica República de Bananas.

O constituinte de 1988 foi sábio ao prever a revisão da Carta, decorrido determinado período, após sua promulgação. Mas errou feio ao estipular esse prazo em cinco anos.

É bem verdade que, nesse período, caiu o Muro de Berlim, mas o país, saído recentemente de uma ditadura militar, ainda não havia amadurecido seu projeto de futuro democrático.

A revisão se realizou, mas limitada a duas mudanças, uma delas de caráter golpista: a redução do mandato presidencial de cinco para quatro anos, precaução dos poderosos de plantão a eventual vitória de Lula nas eleições presidenciais de 1994.

Atualmente não há como fugir da constatação de que o país tem muitos assuntos mal resolvidos. E a queda de braço entre a Câmara e o Supremo é apenas um dos muitos que a estreiteza dos nossos homens públicos impede de encontrar uma saída.

É difícil falar em revisão, quando se fala de uma Constituição que já sofreu mais de 70 alterações, desde a promulgação em 5 de outubro de 1988. Beiram o milhar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) às quais o Supremo deu provimento.

No entanto, é forçoso reconhecer que o pacto político firmado em 1988, cumprindo o ritual de passagem do poder militar para o poder civil, envelheceu precocemente e se deteriora a cada dia perdido devido a interesses nem sempre confessáveis.

Revisão é um assunto polêmico: o Ministério Público é contrário por entender que teria seus poderes reduzidos; o PT é a favor porque se abriria uma janela de oportunidades para o partido aprovar o financiamento público de campanhas e o voto em lista.

Agora mesmo, os entes federados estão na iminência de perder o Fundo de Participação dos Estados (FPE). O Supremo havia estabelecido um prazo de três anos para o Congresso regulamentar novos critérios de distribuição, o que até hoje não ocorreu, embora esse prazo tenha vencido em 2012.

Na prática, o FPE acabou e os Estados nada teriam a receber este mês. Os políticos contam, provavelmente, em recorrer a algum remendo para remediar a situação. O famoso "jeitinho" que só adia soluções definitivas.

Há uma guerra fiscal no país, aliás já condenada pelo Supremo, mas os Estados não conseguem se entender sobre uma reforma tributária eficaz e duradoura, que não agrave a situação dos Estados mais pobres mas também não sirva para extorquir os mais desenvolvidos.

Os royalties provenientes da extração do petróleo no mar, especialmente do pré-sal, são um direito apenas dos Estados produtores ou uma riqueza nacional a ser distribuída entre todos os Estados da federação?

Esses, na realidade, são apenas alguns dos impasses institucionais e federativos cuja discussão vem sendo sistematicamente adiada, seja - como já se disse acima - por interesses menores ou pela falta de grandeza quando se trata em discutir a nação.

Para um país com a pretensão de ser grande, é inaceitável assistir à posse de parlamentares condenados criminalmente, sem que o Legislativo e Judiciário se entendam sobre o que diz, em bom português, a Constituição do país. A menos que efetivamente queira ser o "eterno país do futuro", como já disse um presidente americano.