Título: Presidentes podem iniciar discussão sobre acordo para evitar bitributação
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Fonte: Valor Econômico, 08/03/2007, Especial, p. A14

Empresas com negócios no Brasil e nos Estados Unidos querem aproveitar o clima favorável criado pela recente reaproximação entre os governos dos dois países para promover interesses que vão além da parceria no desenvolvimento de combustíveis alternativos, assunto que dominará as conversas entre os presidentes dos dois países amanhã.

O principal ponto dessa agenda é a discussão de um acordo entre o Brasil e os EUA para evitar a dupla tributação das companhias que atuam nos dois países. Autoridades dos dois governos deram sinais nos últimos meses de que estão dispostas a falar do assunto, mas dificuldades têm impedido o aprofundamento da discussão.

Na avaliação do setor privado, a renovação do interesse dos dois governos pela relação bilateral criou condições para empurrar essa conversa para frente. "Queremos acelerar as discussões com o objetivo de iniciar logo negociações formais sobre o assunto", disse ao Valor o vice-presidente executivo da seção americana do Conselho Empresarial Brasil-EUA, Mark Smith.

O tema poderá entrar nas conversas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com seu colega americano, George Bush, amanhã. A questão ganhou importância no relacionamento entre os dois governos por causa do aumento da carga tributária no Brasil e dos investimentos de empresas como a Gerdau e o grupo Votorantim no mercado americano.

Um assessor direto de Bush, o diretor do Conselho de Segurança Nacional para assuntos da América Latina, Daniel Fisk, disse na segunda-feira a membros da comunidade empresarial nos EUA que o presidente americano defenderá na reunião com Lula a "intensificação das negociações" de um tratado sobre bitributação, diz informe distribuído por uma pessoa que participou da conversa com Fisk.

Bush desembarca amanhã no Brasil, primeira etapa de um giro de seis dias pela América Latina. Ele passará algumas horas com Lula e depois irá para Uruguai, Colômbia, Guatemala e México. Bush e Lula terão outro encontro no fim do mês, quando Lula passará um fim de semana na casa de campo do presidente americano nos EUA.

Um acordo entre o Brasil e os EUA na área tributária permitiria que companhias dos dois países pagassem menos impostos em casa, usando como créditos os tributos recolhidos por suas subsidiárias no exterior. A discussão é tecnicamente bastante complicada e nunca foi muito longe porque os governos temem perder receitas com um acordo dessa natureza.

Representantes do setor privado, funcionários do Tesouro americano e da Receita Federal no Brasil conversaram diversas vezes sobre esse assunto nos últimos meses, num sinal do interesse crescente que a questão desperta. Mas ainda não há uma determinação política para dar passos mais ousados nessa área.

Organizações como a Câmara de Comércio dos EUA e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também querem aproveitar a visita de Bush para reacender o interesse dos governos dos dois países por questões como a eliminação de entraves burocráticos na alfândega brasileira, que têm sido discutida no âmbito de grupos interministeriais sem produzir avanços muito visíveis.

Também há pressões para incluir na agenda dos presidentes miudezas como outra antiga reivindicação privada, a extensão do prazo dos vistos concedidos pelos dois países para viagens de negócios, hoje de cinco anos. Os americanos gostariam que ele fosse ampliado para sete anos. A Fiesp defende um prazo de dez anos.

O entusiasmo dos diplomatas brasileiros e americanos com a visita tem estimulado o otimismo no setor privado, mas a situação política americana impõe limites para iniciativas muito ambiciosas. "A viagem de Bush à América Latina é importante, mas seu impacto teria sido maior se ela tivesse ocorrido há um ano", disse ao Valor o ex-embaixador dos EUA no Brasil Melvin Levitsky, que serviu em Brasília em meados dos anos 90.

A menos de dois anos do fim do seu mandato, com a popularidade no chão e sem maioria no Congresso, Bush tem pouco a oferecer em algumas áreas. Embora o acordo com o Brasil para a promoção de combustíveis alternativos seja visto como uma iniciativa importante, a falta de apoio no Congresso impede que Bush discuta um ponto essencial para o Brasil, as barreiras tarifárias que encarecem nos EUA a importação do etanol brasileiro.

As amarras que impedem Bush de se mover com mais desenvoltura na região são mais evidentes na área comercial. Ele tem encontrado enormes dificuldades para convencer a oposição liderada pelo Partido Democrata no Congresso a aprovar os acordos que ele assinou no ano passado para abrir o mercado americano a produtos do Peru, da Colômbia e do Panamá.

"Bush está fazendo um grande esforço para recuperar a influência dos EUA na América Latina, mas está com as mãos atadas neste momento e talvez não tenha tempo suficiente para fazer algo mais significativo", disse ao Valor o professor Riordan Roett, um especialista em assuntos da região que dá aulas na Universidade Johns Hopkins. (RB)