Título: Com uso de térmicas, redução da conta de luz pode cair a 15%
Autor: Bitencourt, Rafael; Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2013, Brasil, p. A5

A garantia de queda média de 20% na conta de luz, promessa do governo que inicialmente foi abalada pela queda-de-braços com as concessionárias de energia, está agora ameaçada pela natureza. Sem chuvas, a meta de redução do preço da conta de luz já começa a ser comprometida. Até o momento, 2 pontos percentuais dessa queda já foram engolidos pelo alto custo da energia gerada pelas usinas térmicas, que estão a pleno vapor desde novembro para entregar a geração que as hidrelétricas já não têm, por causa do baixo nível de seus reservatórios. Até março, se forem mantidas as condições meteorológicas, esse impacto poderá chegar a 5 pontos, segundo avaliação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).

O alto custo de operação das térmicas já será sentido pelos consumidores a partir de fevereiro, durante os primeiros reajustes tarifários das distribuidoras de energia. Esse período coincide com o momento em que o governo prevê a redução média de 20% das tarifas, garantido a partir das novas condições impostas às concessionárias com a renovação dos contratos de concessão do setor.

Nos dois últimos meses de 2012, o custo da operação das térmicas foi de R$ 800 milhões ao mês. Esses valores superaram a estimativa mais pessimista da Abradee. "A situação piorou porque, até o fim do ano, nossa preocupação se baseava em um custo mensal de R$ 650 milhões", diz Nelson Fonseca Leite.

Com a mudança de expectativa sobre o custo das térmicas, o cálculo para reajuste da conta de luz atrelado à utilização das térmicas já saltou de 0,8 ponto percentual no fim do ano passado para 1 ponto percentual, atualmente. Leite considera que a situação de escassez de água nas hidrelétricas, percebida desde novembro, pode perdurar até março. "Pelo que podemos observar, a redução de 20% programada pelo governo não terá um efeito tão duradouro quanto o imaginado", ressaltou Leite. Diferentemente da meta de redução das tarifas obtida com a renovação dos contratos, a alta do custo da energia será aplicada a partir dos reajustes tarifários praticados separadamente por cada distribuidora, ao longo do ano.

A Abradee também está de olho nos custos das térmicas em razão do seu impacto sobre o caixa das concessionárias de distribuição. A entidade estima que o custo mensal de operação das térmicas, no patamar de R$ 800 milhões, já compromete mais de 50% do lucro líquido mensal das distribuidoras, calculado em R$ 1,5 bilhão.

"É uma situação complicada. Hoje a sociedade está impregnada da informação de que sua energia ficará mais barata, mas isso contrasta com o fato de que está faltando energia", diz Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil.

Se o cenário se agravar, avalia Sales, o governo só terá duas opções para ampliar a oferta: acionar usinas que estão paradas (como a usina gaúcha de Uruguaiana, que depende de gás da Argentina), ou trazer energia nova com medidas emergenciais, como usinas térmicas instaladas em balsas, opção que já chegou a ser utilizada em 2002. "A munição que o setor dispõe para enfrentar esse problema já está sendo usada. Do lado do consumidor, a última saída seria o racionamento", comenta Sales.

Segundo um especialista ouvido pelo Valor, o custo do Encargo de Serviços de Sistema (ESS), pago pelo consumidor para remunerar principalmente a geração adicional termelétrica, estimado em R$ 2,5 bilhões em 2012, terá um efeito de R$ 6 por MWh na tarifa de energia. O efeito será sentido a partir do reajuste tarifário de cada distribuidora de energia. Em novembro, após a resposta das empresas que aceitaram a proposta de renovação antecipada das concessões, o governo previu uma queda de 16,7% nas tarifas de energia dos consumidores residenciais. Considerando o valor médio da tarifa de energia residencial da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de R$ 280 o MWh, sem impostos, a redução seria de R$ 46,7 por MWh. Aplicando R$ 6 por MWh proveniente de geração termelétrica adicional, o valor final de redução será de R$ 40,7 o MWh, o que corresponde a 14,5% de queda na tarifa de energia.

O custo da operação das térmicas pode ser ainda maior para os consumidores. Isso porque outro especialista calcula que o efeito para o cliente residencial será de R$ 10 o MWh. Também contribui para esse efeito a perspectiva de que as termelétricas continuarão operando este ano até o enchimento dos reservatórios. Um integrante da equipe energética da presidente Dilma Rousseff admitiu que a operação das termelétricas afetará os benefícios do pacote de redução das tarifas. Ele, no entanto, disse que esse efeito será "conjuntural", enquanto os benefícios do pacote serão "estruturais".

Para a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), a indústria poderá avaliar a possibilidade de reduzir sua demanda por energia neste momento devido aos elevados preços do insumo no mercado livre. O Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), que é utilizado para liquidação de contratos no mercado disponível de energia elétrica, atingiu R$ 555 por MWh nesta semana, um dos seus mais altos patamares e que se aproxima dos níveis alcançados em períodos de crise de fornecimento.