Título: Um ano após leilão, disputa judicial ainda bloqueia concessão de rodovia
Autor: Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2012, Brasil, p. A4

O clima foi de comemoração no dia 18 de janeiro, quando o ministro dos Transportes, Paulo Passos, bateu o martelo na sede da Bovespa, em São Paulo, para o primeiro leilão de concessão de rodovias do governo Dilma Rousseff. Baseado em novos critérios de competição, a disputa resultou em deságio de 45,63% na tarifa de pedágio apresentada pela proposta vencedora.

A licitação dos 475,9 quilômetros e extensão da BR-101, entre a divisa do Espírito Santo e do Rio de Janeiro e o entroncamento com a BA-698, no município de Mucuri (BA), foi aplaudido e, segundo o ministro, realizado "de forma competitiva e exitosa".

Prestes a completar um ano, não há nenhuma razão para comemorar os resultados da concessão da BR-101 ES-BA. O que deveria ter servido como um exemplo do que o governo pretende fazer com o pacote de 7 mil quilômetros de rodovias, anunciado em agosto - e que será entregue à iniciativa privada nos próximos meses -, transformou-se em verdadeiro drama judicial, um estudo de caso que reúne tudo que o governo deverá se esforçar para evitar nas próximos concessões.

Até agora, nada foi feito pela iniciativa privada no trecho concedido da BR-101. A previsão de investimentos durante os 25 anos de concessão é de R$ 3,8 bilhões, para serviços de operação, recuperação, manutenção, conservação e duplicação da rodovia. Somente com melhorias na pista, projeta-se aporte de R$ 2,1 bilhões.

Esse planejamento, no entanto, ficou travado em um atoleiro jurídico. O consórcio Rodovia Capixaba, segundo colocado no leilão, questiona as informações técnicas do plano de negócios apresentado pelo consórcio vencedor, o Rodovia da Vitória, formado pelas empresas EcoRodovias e SBS Engenharia e Construções.

O vencedor do leilão levou a concessão com a proposta de cobrar R$ 0,03391 por km rodado por veículo, valor muito próximo do apresentado pelo consórcio Rodovia Capixaba, que perdeu a disputa com a oferta de R$ 0,03612. Foi o início da confusão.

Para o Rodovia Capixaba, formado por seis empresas de construção do Espírito Santo, os problemas da proposta vencedora incluem falta de cronograma financeiro para 35 itens da concessão, como edificações e instalações operacionais, elaboração de projetos, desapropriações e indenizações, sistemas de drenagem e elementos de proteção e segurança.

As acusações foram negadas pelos vencedores do leilão que, depois de idas e vindas, tiveram a proposta aprovada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Ministério Público Federal e Tribunal de Contas da União (TCU). O imbróglio, no entanto, ainda segue na Justiça.

No mês passado, o Tribunal Regional Federal decidiu manter suspensa a concessão da BR-101 e negou os recursos da ANTT e do Rodovia da Vitória contra as liminares que impedem a assinatura do contrato. Para José Dutra Júnior, advogado do consórcio Rodovia Capixaba, a decisão "é um marco, não só para esse processo, mas também para futuras licitações". O representante do segundo colocado no leilão sustenta ainda que a medida garante a segurança jurídica das contratações públicas ao mostrar que "no Brasil, valem, de verdade, as regras do edital."

O consórcio Rodovia da Vitória promete brigar até o fim pelo contrato. "Nossa proposta não tem nenhum problema, como já reconheceram o TCU, o Ministério Público e a ANTT. Essa situação é um absurdo, um desperdício de tempo", diz Marcelino Rafart de Seras, presidente do grupo EcoRodovias, empresa líder do consórcio que venceu o leilão. "É a primeira vez que se judicializa um processo de concessão, o que é extremamente ruim para o marco regulatório do setor", afirma Seras.

Embora ainda não tenha iniciado as obras, o consórcio Rodovia da Vitória reclama de já ter desembolsado muito dinheiro nos últimos 12 meses. "Gastamos R$ 5 milhões com equipes de projetistas e técnicos alocados no Espírito Santo, além do planejamento para as intervenções. Estamos prontos para começar a trabalhar no dia seguinte à assinatura do contrato", diz Seras.

Segundo o executivo, o consórcio foi capitalizado em R$ 65 milhões, dinheiro que estaria parado por conta do impasse.

Para piorar, a novela da concessão passou a incluir conflitos políticos, com lobbies e intensas mobilizações dentro do Congresso Nacional. Em outubro, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), chegou a dizer que, se a situação não se resolvesse até novembro (prazo que se esgotou), o melhor seria cancelar o leilão e realizar outra concorrência.

No mês passado, o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) defendeu publicamente o cancelamento do leilão e a abertura de uma nova licitação para a duplicação. Em seu pronunciamento, o senador capixaba disse que "o bom senso nos move na direção de cancelar a concorrência pública".

Para Seras, trata-se de "possibilidade impensável" e que abriria "um precedente perigoso" para qualquer companhia que tem o propósito de investir no país. "Somos uma empresa que respeita as regras da concorrência pública. Vencemos esse leilão. Vamos até o fim", diz. Em janeiro, o consórcio pretende apresentar recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O resultado dessa situação é de total incerteza sobre quando começam, de fato, as obras na BR-101. Procurada pelo Valor, a ANTT informou que "a questão ainda não está definida" e que "a matéria está em discussão no Judiciário, tendo a ANTT e a União ingressado com recurso".