Título: Prazo menor e taxas maiores
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 05/12/2010, Economia, p. 17

conjuntura Bancos limitarão prestações de financiamentos a 36 meses para se enquadrarem às regras do BC. Novas tabelas com juros ao consumo chegarão às agências a partir de amanhã

Os bancos estão determinados a limitar as operações de crédito em até 36 vezes, como forma de fugir das exigências de reforço de capital impostas pelo Banco Central. Com os prazos menores, virão taxas de juros maiores. As novas tabelas chegarão às agências a partir desta segunda-feira, conforme constatou o Correio com cinco das maiores instituições financeiras do país ¿ Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco, Caixa Econômica Federal e Santander. As limitações no número de parcelas atingirão, sobretudo, o financiamento de automóveis e o crédito consignado, com desconto em folha.

¿Na prática, vamos induzir os consumidores a optarem por prazos menores nos financiamentos. Isso virá por meio de taxas de juros maiores em operações com vencimento acima de 36 meses. A diferença dos juros será tão grande entre os contratos de prazos mais curtos e os mais longos, que não valerá a pena ultrapassar os 36 meses¿, explica um executivo de um dos grandes bancos. Segundo ele, como financiamentos acima de três anos exigirá muito capital das instituições para a cobertura de possíveis calotes, os riscos e os custos das operações aumentarão demais. ¿Sem dúvidas, o BC foi muito radical em suas exigências, mostrando que realmente está disposto a reduzir o consumo e a controlar a inflação¿, acrescenta.

Na sexta-feira, o BC anunciou o aumento dos depósitos que os bancos são obrigados a fazer compulsoriamente na instituição. A partir do dia 13, serão retirados mais R$ 61 bilhões de circulação. Além disso, o BC determinou que os bancos mantenham mais dinheiro em caixa para enfrentar a inadimplência: em vez de R$ 11 para cada R$ 100 emprestados, serão necessários R$ 16,50. O BC também fixou entrada de pelo menos 20% do valor do bem financiado em crediários acima de 24 meses.

¿Com essas medidas, o governo quer trazer a inflação para o centro da meta, de 4,5%. Hoje, as projeções apontam para 6%, um perigo¿, diz um técnico do Ministério da Fazenda. Ele não descarta a possibilidade de o Comitê de Política Monetária (Copom) elevar a taxa básica de juros (Selic) a partir de janeiro, já com o BC sob o comando de Alexandre Tombini, nomeado pela presidente eleita, Dilma Rousseff.

Se a operação de guerra do governo é conter a disparada dos preços, nos bancos, a missão é enquadrar as carteiras de crédito às regras baixadas pelo BC. Mas, a despeito da tensão entre os banqueiros, o diretor de Política Monetária do BC, Aldo Mendes, garante que a adaptação às regras será fácil, mesmo por parte do consumidor, que terá de frear às compras às vésperas do Natal.

Para o BC, que recebeu o aval de Dilma às medidas de arrocho ao crédito, chegou a hora de arrumar a casa e acabar com todos os estímulos dados à economia no fim de 2008, auge da crise mundial. Com a atividade crescendo a um ritmo de 7% e os financiamentos bancários avançando 20%, a equipe Henrique Meirelles, atual presidente do BC, acendeu o sinal de alerta. O aperto no excesso de endividamento das famílias começou no fim do mês passado, com mudanças nos cartões de crédito, nos quais o calote chegou a 34,31% contra uma média de 6% de todo o mercado. O limite mínimo para pagamento das faturas subirá de 10% para 15% até junho do ano que vem e para 20% em dezembro.

¿Todas as medidas têm caráter prudencial, inibem bolhas e riscos que podem ser negativos para a saúde da economia. É importante o balanceamento do risco no sistema financeiro¿, afirma Meirelles.

14 suspeitos no PanAmericano » Depois de várias auditorias no PanAmericano, o Banco Central vai entregar 14 nomes para a Polícia Federal. Todos são ex-executivos da financeira de Silvio Santos e estão classificados pela autoridade monetária como ¿supostos responsáveis¿ pelo rombo de R$ 2,5 bilhões na contabilidade da instituição. Entre os envolvidos, uma surpresa desagradável para o apresentador de TV. Seu sobrinho, Guilherme Stoliar, ex-membro do conselho diretor do PanAmericano e recentemente promovido a presidente do grupo, é mencionado no relatório como um dos envolvidos no esquema. O ex-braço direito de Silvio, Luiz Sebastião Sandoval, também está na lista.

Fique ligado Veja quais foram as medidas tomadas até agora pelo Banco Central para conter o endividamento

Cartões de crédito A partir de junho do ano que vem, os consumidores terão de pagar, no mínimo, 15% da fatura e, em dezembro, o piso subirá para 20%. Atualmente, as administradoras exigem o pagamento mínimo de 10%.

Reforço de capital As instituições terão de dispor de mais dinheiro em caixa para cobrir eventuais perdas em operações com prazos superiores a 24 meses. De cada R$ 100 emprestados, os bancos terão de manter R$ 16,50 nos cofres. Até então, a exigência era de 11%. Serão afetados, principalmente, os financiamentos de automóveis.

Crédito consignado A regra do reforço de capital vale também para os empréstimos com desconto em folha de pagamento, mas apenas para os financiamentos com vencimento superior a 36 meses. Hoje, é possível parcelar a operação em até 48 vezes.

Prazos menores Ao exigir mais capital dos bancos, o número de prestações tende a cair. E, quanto mais longo for o financiamento, maior deverá ser o tamanho da entrada. A tendência é de que os bancos limitem os prazos de financiamento em 36 meses. Com prazos menores, o valor das mensalidades aumenta, dificultando o encaixe no orçamento das famílias.

Compulsórios Os bancos terão de depositar mais recursos no Banco Central para conter a demanda por crédito e a inflação. Com isso, mais de R$ 61 bilhões serão enxugados do sistema financeiro, diminuindo a oferta de empréstimos e financiamentos.

Juros em alta O menor volume de dinheiro disponível para emprestar tem como consequência a elevação de juros. A demanda dos consumidores por recursos será superior à oferta.

Atrás de descontos Se a intenção do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, era criar empecilhos aos financiamentos e assim frear o consumo, na prática, tem muita gente disposta a burlar as manobras da instituição. Em vez de correrem às lojas e se comprometerem com dívidas, os consumidores estão juntando dinheiro e indo às compras apenas para pagar à vista, em busca de desconto.

Apesar de os brasileiros estarem devendo R$ 743,5 bilhões e o crédito crescer 20% ao ano, neste mês, a chegada do 13º salário favorece as compras à vista e aumenta a movimentação das lojas. Rita Guedes, 54 anos, e o marido Ivan Iunes, 54, venderam a casa de ¿porta fechada¿ e agora estão mobiliando a nova residência. Uma parte do valor recebido com a venda foi guardada para os móveis novos. O casal não abriu mão de pagar logo os produtos.

¿Sempre que podemos, preferimos comprar à vista. Os juros são muito altos, não justifica pagar isso tudo. É melhor esperar um pouco para não fazer dívidas¿, afirma Ivan. ¿Além de os juros pesarem, pagando a prazo perdemos os descontos que ganhamos quando a compra é à vista¿, ressalta Rita.

Rafael Pestana, 26 anos, estava à procura de uma geladeira e de um fogão. Além da dúvida sobre qual produto levar, o rapaz estava pesando a melhor forma de pagamento. Depois de saber das dificuldades de financiamento que podem surgir na próxima semana, Rafael se decidiu logo. ¿Vou comprar hoje mesmo e, de preferência, à vista. Os juros já estão altos, não vou esperar para a semana que vem e correr o risco de não conseguir comprar de jeito nenhum¿.

Já o casal Marcelo Vieira, 27 anos, e Maria José de Souza, 44, não teve escolha. ¿Meu celular estragou e não tinha como pagar à vista. Como já estávamos aqui, aproveitei para comprar um liquidificador¿, conta Marcelo. O resultado foram dez parcelas para pagar, mas um certo alívio. ¿Ainda bem que compramos hoje. Se aumentassem os juros, não conseguiríamos comprar¿.

Comércio aposta em carro usado Caroline Aguiar Especial para o Correio

Diante das restrições impostas pelo Banco Central para a compra de carros novos ¿ exigência de entradas maiores nos financiamentos e prazos mais curtos para o pagamento das prestações ¿, o comércio está apostando na retomada das vendas de veículos usados. Na avaliação dos lojistas, como esses automóveis têm preços mais baixos, mesmo com um número menor de mensalidades, o financiamento se encaixará no orçamento das famílias.

¿As parcelas altas dos carros novos deixarão os compradores sem opção¿, analisa André Paiva, gerente de uma concessionária de carros usados. ¿As pessoas não vão ter como pagar por um automóvel novo e serão empurradas para o comércio de semi-novos e usados. Para nós essa mudança pode ser boa¿, resume. Se a tendência se confirmar, o mercado de usados tende a reagir. A autônoma Rosane de Sousa Mendes, 40 anos, arrematou um Palio Weekend 2004 sem entrada e parcelado em 60 meses. ¿O que eu queria mesmo era um carro novo, mas não cabe no orçamento. Um usado também vai resolver a situação¿, explica. Quando soube do aumento dos juros, Rosane sentiu-se aliviada. ¿Ainda bem que comprei. Se esperasse até segunda-feira, não teria como dar entrada e nem pagar juros maiores¿, completa.

Mais pessimista, William Pires, dono de uma revenda automotiva, acredita que as medidas terão reflexos negativos sobre as vendas, independentemente se o veículo for novo ou usado. ¿A dificuldade de financiar fará com que muitas pessoas fiquem impossibilitadas de comprar e desistam do carro. Com certeza as vendas vão cair¿, reclama. O militar César de Sousa, 39 anos, quer comprar um carro, mas está dando tempo ao tempo. Com o dinheiro em mãos, planeja pagar à vista e está à procura da loja que fizer a melhor oferta. Além de pechinchar, Sousa adota outra estratégia: apostar na desvalorização dos carros novos. ¿Com os juros altos, as pessoas vão correr para os carros usados e os novos ficarão encalhados. As concessionárias farão de tudo para vender, acho que vou esperar essas medidas entrarem em vigor e depois volto para comprar¿, avalia.

O pacote do BC encareceu o crediário e elevou os juros. O consumidor que sonhava em renovar a garagem neste Natal terá de rever os planos. Fechar negócio em 60 ou 70 vezes sem sinal não será mais tão simples. Parcelar um veículo em 24 ou 36 meses exigirá entrada de, no mínimo, 20% do valor do bem. Nos financiamentos entre 36 e 48 meses, o aporte inicial será de 30%. Já para os casos de parcelamentos entre 48 e 60 meses, a garantia a ser dada ao vendedor será de 40% do valor total.

A nova regulamentação desestimula os bancos a financiar automóveis por prazos muitos longos, além de exigir entradas mais robustas. A redução do número de parcelas eleva automaticamente o peso das prestações. Soma-se a isso a elevação da taxa de juros praticada pelas concessionárias e o resultado é instantâneo: condições menos vantajosas e clientes longe das compras.

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