Título: Banqueiro procura sócio
Autor: Camba, Daniele e Cotias, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 08/03/2007, EU & Investimentos, p. D1

Depois da febre da construção civil, é o setor financeiro que ensaia trazer novos participantes para a Bovespa. Se as ofertas de ações se concretizarem, o investidor vai ganhar mais opções num segmento com poucos representantes, mas que concentra 23% da capitalização da bolsa. E precisará aceitar um pouco mais de risco se quiser diversificar a carteira com papéis de instituições de menor porte e mais alavancadas do que os bancões Banco do Brasil, Bradesco, Itaú ou Unibanco. Para as ações dos tradicionais nomes do mercado, os analistas vêem boas oportunidades, já que o segmento só tem a ganhar com o prometido crescimento econômico.

Na fila, com ofertas encaminhadas na CVM estão os bancos Pine, Sofisa e Cruzeiro do Sul, além da empresa de informações de crédito Serasa, que tem entre os seus sócios os grandes bancos. BicBanco, Bonsucesso e Panamericano também estruturam operações. Entre os estaduais, o Banrisul, já listado, pode fazer nova incursão, sinaliza a governadora do Rio Grande do Sul Yeda Crusius (PSDB), seguindo os passos do paulista Nossa Caixa.

"O movimento vai abrir alternativas no setor financeiro, mas será um investimento de natureza mais arriscada", diz o professor de Finanças da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Paschoarelli. "O banco grande tem mais diversificação e ganha dinheiro com a intermediação financeira, serviços e tesouraria, enquanto o pequeno tem de correr mais risco de crédito e de mercado, mas o retorno pode ser maior também."

Para os menores, a busca por "funding" (fontes de recursos) mais barato tornou-se crucial nesses tempos de mudanças nas regras de alavancagem, juros decrescentes e acirramento da concorrência. Após a quebra do Banco Santos em 2004, a estruturação de fundos de recebíveis e a cessão de carteiras para os maiores é que têm sido o escape.

Só que o Banco Central (BC) sinalizou que, a partir deste ano, exigirá que as instituições façam provisões integrais referentes aos créditos cedidos com cláusula de coobrigação (em que o banco vendedor mantém a responsabilidade sobre a inadimplência), e que constituem a maioria das cessões. Não permitirá ainda a antecipação da receita da venda dessas carteiras. "Além do impacto na rentabilidade, isso deixará de liberar recursos para novos empréstimos e, mais alavancados, os bancos menores passam a ter custos de captação maiores", diz o economista da Lopes Filho João Augusto Sales.

Embora o especialista veja os potenciais novatos da bolsa como instituições com bons fundamentos, ele alerta para o risco de se comprar papéis a preços elevados, a exemplo do que ocorreu com a processadora de cartões CSU, em que as ações foram vendidas em abril com uma relação preço/valor patrimonial - quanto maior, mais cara está a empresa no mercado em relação ao seu patrimônio - de quase 7 vezes, enquanto os bancos são negociados bem abaixo disso. No Itaú, por exemplo, o mais valorizado, essa relação é de 4 vezes.

Os bancos que prometem dar o ar da graça na bolsa são bem focados, a maioria no crédito consignado, e terão o potencial de crescimento ampliado com a capitalização da venda de ações, diz o presidente da Austin Ratings, Erivelto Rodrigues. "Mas o investidor terá de ficar atento às práticas de governança, porque são instituições que não têm a mesma transparência das que estão no mercado." Num primeiro momento, Pine, Cruzeiro do Sul e Sofisa vão vender só preferenciais (PN, sem voto), sem ingressar no Novo Mercado.

Nos últimos anos, o crédito tem crescido de forma consistente, o que vem se refletindo nos resultados do setor. Desde que o BC começou a reduzir a Selic, no fim de 2005, o crédito passou de 31% do PIB para 34%. Para compensar o possível aperto das margens por conta dos juros menores, a saída tem sido ampliar os volumes emprestados. O controle da inadimplência e a expansão econômica amparam a estratégia.

"O crescimento mais robusto abre novas formas para os bancos ganharem", diz a chefe de análise da Ativa Corretora, Mônica Araújo. Ela lembra que há uma estreita relação entre a melhora da economia e os indicadores bancários, como novas contas, empréstimos e aplicações.

As projeções para as carteiras de crédito são promissoras. Em 2006, o volume de crédito com recursos livres aumentou 25%, pelos dados do BC. Segundo estima a chefe de análise do Banif Investment Banking, Catarina Pedrosa, para este ano, é possível esperar um aumento de igual magnitude ou maior, de até 30%.

Além de ampliar as próprias carteiras, os grandes bancos impulsionam o crédito consignado comprando carteiras dos menores. "Disparado, esse é o tipo de crédito que mais cresce no Brasil", diz o estrategista da Unibanco Corretora, Carlos Macedo. Em 2006, as operações com desconto em folha aumentaram 56%, para R$ 49,5 bilhões. Ele acredita que a consolidação no setor deve prosseguir, com os bancões comprando os de menor porte, a fim de manter os padrões de rentabilidade do passado recente, entre 25% e 30%.

No quesito crédito, o Banco do Brasil é que deve se destacar, acredita Catarina, por estar presente nos lugares mais longínquos do país. De qualquer forma, as ações de todos os bancos podem se beneficiar com esse movimento, até porque os papéis estão baratos em relação ao restante da bolsa.

Macedo, do Unibanco, também vê as ações do BB como as de maior potencial de valorização. "Entre os grandes, ele é o mais atuante no consignado, sem contar que a inadimplência no crédito rural vem caindo e o banco deve ter resultados ainda melhores este ano." Já entre os privados, ele recomenda a compra de Bradesco PN. Com uma rentabilidade sobre o patrimônio líquido historicamente menor que a do Itaú, o banco teria mais espaço para melhorar, argumenta.

Nem mesmo a queda dos juros tem atrapalhado, pelo menos por enquanto. Catarina, do Banif, afirma que o corte da Selic reduziu o custo para captar, mas não influiu de maneira relevante no "spread" (a diferença entre o custo de captação e o repasse), o melhor dos mundos. Pelos dados do BC, do fim de 2005 para cá, o "spread" caiu de 28,6 para 27,4 pontos percentuais. "A margem financeira não caiu, mas imagino que isso possa ocorrer a partir deste ano, quando os juros ficarem mais baixos."