Título: O que começa errado acaba errado
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2012, Política, p. A8

Uma CPI que começou errada só poderia terminar errada. Foi idealizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tentativa de fazer um contraponto ao julgamento do mensalão. No pensamento petista, a ideia era que ela serviria de instrumento intimidatório ao acusador, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel; à imprensa e ao governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). O tucano tornou público que Lula sabia da compra, por seu governo, de apoios no Congresso. Vingança nele.

Na prática, porém, a teoria foi outra. Para comprovar que o intuito da comissão não era nada disso, o PT até procurou prová-la séria. Por isso entrou num sem-fim de quebras de sigilos telefônicos, bancários e fiscais. Levou petistas a depor para dar ares de equilíbrio, como o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz. Ofereceu um homem-bomba, o ex-diretor do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes dos governos, Luiz Antonio Pagot. Não, claro, sem exigir um do outro lado: Paulo Preto, ex-diretor da estatal paulista Dersa. Mas nada relevante saiu daí. O Supremo Tribunal Federal ignorou a CPI, confirmou o mensalão e caminhava para condenar petistas por corrupção.

A partir daí, a estratégia petista mudou. A CPI, que já não tinha surtido os efeitos pretendidos pelo PT, poderia ainda se tornar uma ameaça, um mico. O motivo eram as evidências de que as irregularidades dos contratos da Delta não eram restritas ao Centro-Oeste, como insistia Odair Cunha. Pior, o governo federal tinha bilhões em contratos com a empresa. Era preciso encerrá-la. Seus trabalhos, então, foram suspensos durante a campanha. Na volta do recesso, o ritmo foi quase parado. A dúvida agora era como por um fim.

Odair Cunha se retraiu para elaborar o relatório, cuja primeira versão incluiu Gurgel, jornalistas, Perillo e o ex-sócio-proprietário da Delta, Fernando Cavendish, amigo do governador do Rio, Sergio Cabral (PMDB). O PMDB acusou o golpe e pediu a retirada de todos. O petista atendeu ao apelo em parte. Manteve Cavendish. E selou ali seu destino.

Isso propiciou a aliança que se desenhou em diversos momentos da CPI: a de pemedebistas querendo salvar Cavendish e a de tucanos por Perillo. Essa união derrotou o relatório petista. E rachou base e oposição. Claro que outros fatores influenciaram. Partidos da base de Perillo em Goiás, por exemplo, se uniram para salvar seu governador. Ignoraram que também são base da presidente Dilma Rousseff. Mas pergunte a eles quem os trata melhor, Brasília ou Goiânia? Na mesma linha, o PR de Alagoas também sabe que o PSDB é poder em seu Estado e em duas semanas, poder em Maceió. Foi mais um alinhamento pró-tucanos. Tal como o PSD de Tocantins, afinadíssimo com o governador Siqueira Campos (PSDB).

O final foi melancólico. Um relatório de duas páginas no qual pede que o Ministério Público e a Polícia Federal investiguem tudo o que os parlamentares, por suas diversas e questionáveis razões, não quiseram investigar. Além de uma surpreendente solidão a que o PT jogou Odair Cunha, abandonado e sem qualquer fala de apoio dos correligionários. Mas já era a hora. Afinal, o STF concluíra o julgamento do mensalão na véspera e a CPI não tinha por que existir.