Título: Casa própria escapa do aumento de juros
Autor: Batista, Vera ; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 05/12/2010, Economia, p. 18

CONJUNTURA Principal motor do financiamento imobiliário, poupança tende a se esgotar em 2012. Saída é captação privada de longo prazo

O consumidor pode respirar aliviado: prazos e juros dos financiamentos imobiliários continuam intocados, ao menos por enquanto. A casa própria escapou do arrocho no crédito promovido pelo Banco Central para não inviabilizar uma das prioridades do futuro governo Dilma Rousseff, que é a construção de 2 milhões de residências dentro do programa Minha Casa, Minha Vida. Esse cenário, porém, deverá sofrer um revés. Por causa da forte demanda, especialistas projetam para 2012 o esgotamento da principal fonte de recursos para esses financiamentos, a poupança. Como forma de incentivar a captação de recursos privados a autoridade monetária livrou as Letras Financeiras ¿ títulos de renda fixa emitidos pelos bancos ¿ do recolhimento de compulsório.

Quem não sair do aluguel dentro dos próximos dois anos terá de desembolsar mais dinheiro para ter uma residência. Em 2012, o custo desses empréstimos, de acordo com os cálculos de Luiza Rodrigues, economista do banco Santander, vão passar de 10% para 14% ao ano. Na ponta do lápis, atualmente, um consumidor que adquiriu um apartamento de R$ 500 mil paga R$ 3.383 ao mês em prestações. Em dois anos, essa mesma operação custará 32,9% mais, a mensalidade vai subir para R$ 4.497. ¿O problema é que a concessão de crédito está crescendo 51% ao ano. Já a poupança ¿ a principal fonte de recursos para o crédito imobiliário ¿ avança a 20% ao ano. Se essa diferença perdurar, não vão haver recursos para continuar a expandir o crédito imobiliário¿, explica Luiza.

uiz Antônio França, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), diz que até 2013 o setor imobiliário precisa encontrar fontes de recursos alternativas para bancar a casa própria. A previsão é que serão necessários pelo menos R$ 100 bilhões para suprir a diferença entre a demanda por esse crédito e o volume de poupança disponível. ¿É um assunto muito técnico. As diferenças podem ser sanadas. A Abecip está preparando um longo estudo, com a colaboração de economistas e advogados. Vamos discutir com o governo o que precisa ser adaptado à nossa realidade e provar a importância de se ter bem rápido captação de longo prazo. Temos que pensar grande¿, reforça França.

Aquecimento Dados do Banco Central revelam que os consumidores tomaram emprestado neste ano R$ 129,1 bilhões para comprar casas e apartamentos. É a linha de crédito que mais cresceu em 2010. ¿Por muito tempo não havia recursos para emprestar. Como agora eles estão disponíveis e o país passa por um momento no qual a oferta e a demanda estão fortes, o crédito vai continuar a se expandir intensamente¿, avalia Luiza. O crédito imobiliário, que hoje representa 4% do Produto Interno Bruto (PIB), deve saltar para 11% nos próximos dois anos.

João Carlos de Almeida, diretor financeiro da Construtora JC Gontijo, acredita que os recursos da poupança não vão terminar tão rápido, mas lembra que a participação dos fundos de pensão, nacionais ou internacionais, é fundamental. ¿Eles poderiam, eventualmente, comprar os papéis emitidos por bancos como fonte de captação para o setor imobiliário¿, afirma. Luiz Henrique Rimes, diretor nacional de negócios da Construtora João Fortes, concorda. ¿Não acredito que vá acabar o dinheiro da poupança. Isso é um problema governamental¿, justifica.

De olho no Copom

GABRIEL CAPRIOLI A última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do ano e da era Henrique Meirelles está marcada para esta semana e, apesar do arrocho que promete enxugar R$ 61 bilhões da economia, anunciado na sexta-feira pelo Banco Central, ainda pairam no ar dúvidas sobre qual será a decisão. As medidas baixadas pelo governo reduziram as chances de alta da taxa básica (Selic) em 2010, mas não tiraram do horizonte a perspectiva de que a tendência de elevação está próxima.

Os sinais de que a inflação pode escapar ao controle estão claros. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como termômetro para a política monetária, deixou o terreno da estabilidade para atingir em outubro 0,75%. A prévia para novembro apontou alta de 0,86%. As projeções para o fim do ano e para 2011 também pioraram significativamente. As instituições consultadas pelo BC na pesquisa Focus elevam há 11 semanas seguidas as estimativas para o indicador, chegando a 5,72%. Na teoria, o cenário é mais do que propício para o BC elevar os juros.

Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria, diz que um dos motivos pelos quais o ajuste monetário não foi retomado é a avaliação do Copom, expressa nas últimas atas, de que o cenário externo ainda oferece influências positivas para a inflação. ¿Esse argumento vem sendo desmentido pelos indicadores, que mostram que os preços estão subindo puxados pelas commodities internacionais¿, adverte. Outro fator, avalia o economista, é a inclusão da expectativa de um ajuste fiscal mais forte, por parte do Ministério da Fazenda. ¿A única forma de elevar a Selic já na próxima reunião seria negando um desses dois fatores. Mais provavelmente o mercado externo¿, acredita. Loyola, no entanto, lembra que a possibilidade mais concreta é a de que o Copom mantenha a Selic nos atuais 10,75% ao ano e publique um comunicado (ata) que deixe mais claro a necessidade de se retomar o ciclo de alta de juros.

O ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero alerta para o risco iminente da inflação, mas diz que aumentar juros não é a melhor a saída no momento. ¿A Selic alta custa muito caro ao país¿, resume. A defasagem entre a tomada de decisão e o efeito dos movimentos da taxa básica também jogam a favor da manutenção, completa Ricupero: ¿Não sei o que vai ser feito pelo comitê, mas a decisão de agora vai demorar meses para ter efeito e não acredito que fazer isso, para compensar o peso das commodities, seja útil¿, reforça.