Título: A indústria do petróleo e a insegurança jurídica
Autor: Chequer, Alexandre R. e Belchior, Bruno
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Como se já não bastasse a tentativa de suspensão da 7ª Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e agora a efetiva suspensão da 8ª Rodada - motivada pelas ações movidas por uma deputada federal do Partido dos Trabalhadores do Paraná (PT-PR), Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, Associação dos Engenheiros da Petrobras e Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro -, o procurador-geral da República enviou no dia 18 de dezembro de 2006 um parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF). No parecer, o procurador concorda com parte de um pedido do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) feito em uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no dia 11 de outubro de 2005. O partido argúi, na Adin nº 3.596, a inconstitucionalidade de inúmeros dispositivos da Lei do Petróleo - a Lei nº 9.478, de 1997.

Esta seqüência de acontecimentos está gerando um alto grau de insegurança jurídica para as companhias de exploração e produção de petróleo e gás que investem no país e que, por ventura, ainda pretendem investir.

O pronunciamento do procurador-geral da República tem fundamento no artigo 103, parágrafo 1º da Constituição Federal, que estabelece que "o procurador-geral da República deverá ser previamente ouvido nas Adins e em todos os processos de competência do Supremo".

O PSOL propôs a Adin, com pedido de medida cautelar, contra os artigos 8º (incisos IV, V e VI), 19, 22, 25, 27, parágrafo único, e 29 da Lei do Petróleo; o procurador-geral emitiu o parecer a respeito do assunto considerando que se julgue a ação parcialmente procedente. Segundo o procurador-geral, devem ser declarados inconstitucionais os seguintes dispositivos: (1) o inciso VI do artigo 8º e os artigos 25 e 29; (2) a expressão "projetos de lei ou de" constante do artigo 19; (3) as expressões "critérios para" e "e que venham a ser utilizados pelas partes interessadas" do parágrafo 2º do artigo 22; (4) a expressão "com base em laudo arbitral" constante do parágrafo único do artigo 27; (5) a expressão "na regulamentação a ser expedida pela Agência Nacional do Petróleo (ANP)" existente no artigo 36; (6) a expressão "nos termos da regulamentação a ser editada pela ANP" constante do inciso I do artigo 39, bem como a íntegra do parágrafo 1º do artigo 53; e (7) a expressão "normas administrativas" do inciso V do artigo 19, do parágrafo 1º do artigo 22 e do restante do artigo 27.

-------------------------------------------------------------------------------- Uma seqüência de fatos está gerando alto grau de insegurança jurídica para as companhias do setor que investem no país --------------------------------------------------------------------------------

Dentre os artigos discutidos, o que mais preocupa as companhias de exploração e produção de petróleo e os demais agentes econômicos do setor é a possível declaração de inconstitucionalidade do artigo 29 da Lei do Petróleo, que dispõe acerca da cessão dos direitos exploratórios nos contratos de concessão. O procurador-geral da República responsável pelo parecer encaminhado ao Supremo argumenta que há uma "inconstitucionalidade de natureza evidente" no referido artigo 29 da Lei do Petróleo, que estabelece ser permitida "a transferência do contrato de concessão, preservando-se seu objeto e as condições contratuais, desde que o novo concessionário atenda aos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela ANP, conforme o previsto no artigo 25".

Para o procurador-geral, este dispositivo da Lei do Petróleo contraria o artigo 175 da Constituição Federal, segundo o qual "incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação dos serviços públicos". O procurador entende que as cessões devem ser precedidas de licitação, independentemente do que dispõe o contrato de concessão celebrado entre a ANP e o concessionário ou o artigo 29 da Lei do Petróleo.

Entendemos, entretanto, que o artigo 175 da Constituição Federal é aplicável apenas às companhias prestadoras de serviço público, o que exclui as companhias de exploração e produção de petróleo e gás natural, pois estas certamente não prestam tais serviços. As atividades regulamentadas pela Lei do Petróleo são atividades econômicas em sentido estrito e não podem ser consideradas, em hipótese alguma, serviço público. Além disso, a própria Constituição Federal, em seu artigo 176, parágrafo 3º, prevê a possibilidade de cessão ou transferência das concessões petrolíferas, total ou parcialmente, desde que haja prévia anuência do poder concedente, ou seja, da ANP, autarquia especial vinculada ao Ministério de Minas e Energia e que tem a competência para regular o setor.

Infelizmente, as tentativas de paralisação das atividades petrolíferas no Brasil vêm causando um certo desestímulo para todos os agentes econômicos que possuem interesse no setor, principalmente para as companhias de exploração e produção de petróleo, incluindo a Petrobras, que já assinou inúmeros contratos de cessão de direitos exploratórios. A 8ª Rodada de Licitações já foi um desastre para os investidores e para o país, e agora só nos resta esperar os efeitos da 9ª Rodada que, segundo notícias recentes, ocorrerá em agosto deste ano.

Neste momento, a indústria, ainda esperançosa, aguarda o resultado de três acontecimentos cruciais para a estabilidade do setor petrolífero no Brasil: (1) o julgamento da Adin nº 3.596 contra a Lei do Petróleo, que tem a ministra Cármen Lúcia como relatora; (2) o desfecho das ações movidas pela deputada federal do PT-PR, Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, Associação dos Engenheiros da Petrobras e Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro, que culminaram na suspensão da 8ª Rodada de Licitações; e (3) o sucesso da 9ª Rodada. Se os resultados forem positivos, poderemos ter mais confiança na estabilidade contratual e regulatória do país, indispensáveis para estimular o tão sonhado crescimento.

Alexandre R. Chequer e Bruno Belchior são advogados e, respectivamente, sócio do escritório Thompson & Knight LLP em Houston e associado do escritório Tauil, Chequer & Mello Advogados, associado ao Thompson & Knight

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