Título: Intimidade exposta
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 05/12/2010, Mundo, p. 24

Diplomacia Documentos sigilosos vazados pelo WikiLeaks revelam para o público a face menos elegante das relações internacionais

Em 1908, um telegrama timbrado com o n° 9 do Barão do Rio Branco, endereçado ao ministro de Relações Exteriores do Chile, foi interceptado pela chancelaria argentina e publicado por um jornal de Buenos Aires. O episódio causou desconforto na então delicada relação entre os dois países e trouxe problemas para o patrono da diplomacia brasileira. Um século depois, a história de fragilidade na comunicação diplomática se repete. A divulgação de 250 mil documentos secretos do Departamento de Estado norte-americano, obtidos pelo site WikiLeaks, deixou à mostra não apenas as observações dos representantes internacionais, mas um problema que se perpetua no tempo.

Um diplomata não é apenas representante de seu país ou eventualmente mediador. Ele também precisa ser um observador atento. O vazamento das impressões formas nas embaixadas dos EUA comprovou essa máxima, e não chegou a causar comoção entre os especialistas. ¿Uma das funções da diplomacia é informar o governo sobre o que acontece nos vários países. Fazer registros, atas, reuniões, tudo isso é parte do trabalho. Depois, quem vai saber se aquele tipo de informação é a verdade ou uma distorção dela são as agências de inteligência. Todos os países fazem isso, em uma escala ou outra¿, comenta Virgílio Arraes, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (Unb).

A divulgação dos telegramas de embaixadas americanas expôs como a diplomacia dos Estados Unidos se interessa não apenas por fatos e impressões de sua equipe no exterior, como por questões pessoais envolvendo líderes de outros países. Foi o caso dos questionamentos sobre a saúde mental da presidente argentina, Cristina Kirchner, ou sobre a ¿voluptuosa¿ enfermeira ucraniana que acompanha o governante líbio, Muammar Kadafi, em todas as viagens.

Na tentativa de amenizar o mal-estar causado pelo conteúdo dos telegramas, a secretária de Estado, Hillary Clinton, passou grande parte da semana passada entrando em contato com chanceleres dos países mencionados. ¿Eu posso dizer que um dos meus colegas disse: `Não se preocupe com isso, você deveria ver o que dizemos sobre você em nossas mensagens¿¿, brincou Hillary, durante uma coletiva.

O conteúdo registrado em representações e embaixadas dos Estados Unidos foi amenizado por um mea-culpa. Todo mundo faz o mesmo: observa, registra e envia. O perfil das mensagens, no entanto, pode mudar de um governo para outro. Segundo uma autoridade britânica, a orientação passada por Londres a seus diplomatas, por exemplo, é que se concentrem em relatar mais fatos e menos impressões pessoais ou de terceiros a Londres.

Atividade essencial Para Francisco Doratioto, professor do mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco e do Departamento de História da UnB, a informação é essencial para as relações internacionais e para a defesa dos interesses do país. ¿Alguém vai deixar de registrar que o governo russo tem relações com a máfia, por exemplo? Não tem como não relatar isso. Faz parte do trabalho da diplomacia. É difícil que haja alguma mudança na forma e no conteúdo das mensagens: isso acontece há séculos e vai continuar ocorrendo¿, analisa o especialista.

Com o avanço da tecnologia, em especial da internet, telegramas e documentos foram parar na rede. Por isso, a questão de segurança é um dos grandes desafios para o corpo diplomático mundial. ¿É preciso um esforço maior nessa área. No caso dos EUA, houve claramente uma falha na proteção dos arquivos. E quase sempre é necessário que esse documento corra o mundo e as embaixadas às quais o assunto interessa. Portanto, a melhor solução é o controle¿, comenta Doratioto.

De volta ao telefone

Se as mensagens divulgadas na última semana causaram embaraço, embora não tenham afetado as relações entre países, a forma como elas são protegidas pode ficar mais estrita. O resultado de um vazamento da dimensão do produzido site WikiLeaks deve ser visto a longo prazo. ¿É bem provável que o envio da forma escrita, com arquivos criptografados, continue a ser feito da mesma forma sigilosa. O que pode ser revisto é a legislação ¿ tanto internamente quanto em acordos internacionais ¿ sobre a forma de punição pelo acesso indevido a esse tipo de documento¿, afirma Virgílio Arraes, professor do Departamento de Relações Internacionais da UnB.

Em Brasília, altos funcionários de representações estrangeiras revelaram ao Correio que a experiência com o vazamento dos telegramas da diplomacia americana poderá inibir a troca de mensagens por parte de outros países ¿ ou, pelo menos, limitar os conteúdos tratados. Algumas fontes reconheceram que, em seus países, os comunicados escritos, enviados de maneira criptografada por correio eletrônico, já vêm sendo substituídos aos poucos por um meio mais antigo de troca de informações altamente sigilosas: o telefone. ¿Hoje em dia, usar o telefone é mais seguro que durante a Guerra Fria, por exemplo. E, para alguns assuntos, continua sendo o meio mais recomendado¿, revelou um alto diplomata.

Registro mínimo Essa opção, contudo, pode ter implicações negativas, como a falta de registro histórico da diplomacia mundial. ¿Os governos estão confrontados com um dilema insolúvel. Se optarem por restringir e proteger os dados, talvez até parar de gravar as informações mais delicadas (como, sem dúvida, alguns diplomatas estão agora considerando), eles vão inevitavelmente reduzir sua eficácia operacional. Se continuarem as circular os dados amplamente, como os EUA faziam antes do WikiLeaks, vão se arriscar em uma escala devastadora¿, avalia o diplomata britânico Carne Ross, fundador da organização Independent Diplomat, em artigo publicado no jornal The Huffington Post.

Para o embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e representante permanente do Brasil em Genebra entre 1987 e 1991, o futuro reserva uma transformação na forma de comunicação, principalmente no número de destinatários das mensagens. ¿Os americanos vão mudar a forma como a informação é enviada e o conceito de confidencial. Quando uma mensagem é secreta, poucas pessoas devem recebê-la. Assim, se ocorrer algum vazamento, será possível identificar quem foi. Existem métodos para isso: em cada mensagem, a pessoa muda uma vírgula, uma palavra, e assim consegue identificar cada receptor¿, explica o diplomata.

Colaborou Isabel Fleck

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