Título: Israel e EUA criticam Lula
Autor: Melo, Max Milliano
Fonte: Correio Braziliense, 05/12/2010, Mundo, p. 25

Diplomacia Reconhecimento unilateral do Estado palestino causa "decepção" e é classificado como "extremamente imprudente"

Israel e os Estados Unidos reagiram prontamente, e sem disfarçar o desagrado, à decisão do governo brasileiro de reconhecer o Estado palestino nas fronteiras em vigor até a guerra árabe-israelense de 1967. Em comunicado divulgado ontem, menos de 24 horas depois do anúncio do Itamaraty, o ministério israelense das Relações Exteriores disse que ¿lamenta e expressa sua decepção depois da decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, adotada um mês antes de passar o poder para a presidente eleita, Dilma Rousseff¿. A assessoria do Itamaraty informou que, por ora, o ministério não se manifestará sobre a reação israelense.

O gesto unilateral de reconhecer a Palestina foi oficializado na quarta-feira, por meio de carta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao colega palestino, Mahmud Abbas, e tornado público na sexta-feira. A decisão era esperada desde março, quando Abbas esteve no Brasil. A nota do Itamaraty informa que Lula atendeu a um pedido feito pelo presidente da Autoridade Palestina (AP) também por carta, datada de 24 de novembro.

Para o governo de Israel, a postura brasileira ¿constitui uma violação dos acordos interinos assinados entre Israel e a AP, e que estipulam que o futuro da Cisjordânia e da Faixa de Gaza será discutido e definido mediante negociações¿. O governo do primeiro ministro Benjamin Netanyahu sustenta que a questão do Estado palestino deve ser resolvida por negociações diretas entre as duas partes.

Reações ainda mais duras vieram dos Estados Unidos. Embora o governo de Barack Obama não tenha se manifestado oficialmente sobre a questão, congressistas democratas e da oposição republicana fizeram coro e classificaram iniciativa brasileira como ¿extremamente imprudente¿. ¿É lamentável e só vai prejudicar um pouco mais a paz e a segurança no Oriente Médio¿, afirmou Ileana Ros-Lehtinen, que lidera os republicanos na Comissão de Assuntos Externos da Câmara.

Para o deputado democrata Eliot Engel, o Brasil ¿quer se estabelecer como uma voz no mundo, mas está fazendo as escolhas erradas¿. Em sua opinião, o governo brasileiro ¿está enviando uma mensagem aos palestinos de que eles não precisam fazer a paz para obter o reconhecimento como um Estado soberano¿. Engel citou como exemplos dessas ¿más escolhas¿ as relações amigáveis entre o presidente Lula e o colega iraniano, Mahmud Armadinejad.

Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) José Flávio Saraiva, as declarações de Israel e dos EUA são apenas formais, e não representam ameaça às relações com o Brasil. ¿Não há motivos para sobressaltos. Da mesma forma como Israel disse isso hoje (ontem), há dois meses estava `abraçando¿ o Brasil após fechar um acordo de livre-comércio¿, opina o especialista. ¿Trata-se, mais uma vez, da manifestação da dialética diplomática: Israel tinha obrigação de manifestar-se contra, embora isso não represente um abalo nas relações com o Brasil.¿

A visão do especialista brasileiro não é a mesma do deputado americano Eliot Engel. Para ele, a atitude pode afastar o Brasil de uma postura de protagonista na política internacional. ¿Só podemos esperar que a nova liderança que vem para o Brasil mude o curso e entenda que esse não é o caminho para ganhar a preferência como uma potência emergente, ou para se tornar um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas¿, completou o congressista.

Fora de controle

Nem a ajuda internacional foi capaz de controlar o maior incêndio florestal da história de Israel, que já causou 42 mortes e obrigou 15 mil pessoas a deixarem suas casas. Cerca de 150 bombeiros enviados por Grécia, Chipre, Reino Unido e Turquia reforçam desde sexta-feira as equipes israelenses na tentativa de conter as chamas. Nos próximos dias, deve chegar mais ajuda de Jordânia, França, Croácia, Estados Unidos, Romênia, Espanha e Rússia ¿ esta reafirmou ontem a diposição de enviar aeronaves especiais para combater incêndios. Apesar de a situação ter melhorado desde que os primeiros bombeiros estrageiros chegaram ao país, o fogo continua fora de controle. As chamas já consumiram 2 mil hectares de florestas e fazendas do norte do país e ameaçam particularmente o Parque Nacional de Carmel.

PARA SABER MAIS A altivez tem preço Silvio Queiroz

Argumentos e justificativas à parte, o reconhecimento da Palestina ¿ com menção explícita às fronteiras de 1967, objeto de negociações intermináveis entre as partes ¿ coloca o Brasil em posição mais frágil como candidato a algum tipo de mediação. Os termos em que Israel se pronunciou deixam evidente que se cristaliza, no atual governo, a impressão de que Brasília tomou partido. Concorde ou não com o ponto de vista israelense, o Itamaraty terá de tomá-lo em conta como dado de realidade.

O mesmo vale para as reações iniciais vindas de Washington. Ao menos no Congresso, os setores políticos mais afinados com Israel terão mais elementos para obstruir ou torpedear iniciativas de interesse brasileiro ¿ sempre que isso não prejudique, por tabela, os EUA. Ao afirmar cada vez mais claramente a simpatia pela causa palestina e a determinação de prosseguir na aproximação com o Irã, a diplomacia brasileira esgrimiu o argumento da soberania. O preço da altivez se paga assumindo as consequências por desagradar aos demais.

Quando estrear no cenário mundial, em janeiro, o governo Dilma retomará a política de expansão da presença brasileira a partir de certas balizas colocadas por Lula e pelo chanceler Celso Amorim. No Oriente Médio, será visto de saída como alinhado ao bloco árabe-muçulmano.