Título: Faltam PMs nas ruas e delegados
Autor: Oliveira, Noelle
Fonte: Correio Braziliense, 05/12/2010, Cidades, p. 29

Herança da crise Para especialistas, a próxima gestão precisa não só repor o quadro de pessoal das polícias Civil e Militar como também reformular filosofias corporativas. Outro desafio será melhorar o atendimento aos menores em conflito com a lei

Um dos grandes desafios do futuro governador, Agnelo Queiroz, na área de segurança pública será com relação aos recursos humanos. A Polícia Militar do Distrito Federal conta hoje com cerca de 14 mil homens. No entanto, poucos policiais atuam diretamente no combate ao crime. Desse total, somente a metade concorre à escala de plantão de rua. Devido à jornada de serviço, que permite ao agente da lei trabalhar um dia e ficar três em casa, apenas 2,6 mil PMs, de fato, estão todos os dias nas rondas ostensivas, o que representa 18,6%. O restante da tropa exerce funções burocráticas dentro dos quartéis, está cedida a órgãos do governo ou trabalha em lugares em que a atuação se dá apenas em casos específicos, como o Batalhão de Operações Especiais (Bope) e o Batalhão de Trânsito (BPtran).

Na Polícia Civil, faltam delegados para comandar as equipes. Um delegado chega a ser responsável por quatro delegacias. Isso ocorre em cidades como Gama, Planaltina, Brazlândia e Santa Maria. O governador Rogério Rosso anunciou que nomeará 46 delgados semana que vem.

Para o especialista em segurança George Dantas, além de repor o quadro de pessoal, o governador também precisará reformular filosofias nas duas instituições policiais. ¿A dinâmica de hierarquia terá que se ajustar à exigência atual de nível superior para a Polícia Militar. É difícil a gente imaginar um engenheiro sendo motorista de uma viatura ou guarda de trânsito, subordinado a um superior que tem o segundo grau. Tudo terá de ser revisto¿, explica. ¿No caso da Polícia Civil, o nível superior já é exigido há muito tempo, mas temos questões na estrutura hierárquica que precisam ser reavaliadas. Hoje, uma pessoa formada em direito que se torna delegada tem uma perspectiva interna de crescimento que um agente, um escrivão e um perito não têm¿, destaca Dantas.

Autoridade Para o sociólogo e também especialista em segurança Antônio Testa, professor da Universidade de Brasília (UnB), caberá ao novo governador superar a crise instalada na Polícia Civil, após os desentendimentos relacionados às investigações do crime da 113 Sul ¿ em que o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela, a mulher dele e a empregada foram mortos, em 28 de agosto de 2009. ¿De imediato, Agnelo vai ter que montar uma Secretaria de Segurança com autoridade suficiente para quebrar essa crise na Polícia Civil. Também será necessário rever a política de recursos humanos na PM. O governador precisará ter autoridade para comandar um sistema que é muito poderoso. Temos sete policiais na Câmara Legislativa, por isso, creio que o governador encontrará dificuldades para negociar questões corporativas¿, avalia.

A especialista Marcelle Figueira destaca, no entanto, que o futuro chefe do Executivo local possui um trunfo: uma polícia especializada, bem remunerada e equipada. ¿Isso é algo que vários governadores gostariam de ter, trata-se de uma polícia com baixo nível de corrupção e com salários altos. Isso não significa, no entanto, que o efetivo não tenha que ser constantemente reposto bem como os equipamentos, mas já facilita o trabalho¿, avalia.

Caje Na lista de problemas a ser resolvidos, assim que assumir o governo, em 1º de janeiro, Agnelo Queiroz deverá decidir o que fazer com os 359 internos do Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje). O juiz titular da 1ªVara de Infância e Juventude do Distrito Federal (VIJ/DF), Renato Rodovalho, determinou na última semana que o GDF apresente, no prazo de 90 dias, um plano de desocupação gradual da unidade. O magistrado também proibiu o ingresso de jovens infratores na casa a partir de 1º de março de 2011. Em caso de descumprimento, a multa aplicada ao governo local chegará a R$ 20 mil por dia. Não há, entretanto, espaço adequado para abrigar os adolescente em conflito com a lei que hoje cumprem medida socioeducativa no local.

Mas as heranças do setor de segurança pública que dizem respeito aos adolescentes não param por aí. No DF, a criminalidade aumenta entre esse grupo etário. Em 2005, havia 280 menores internados. Agora, são 684 nos quatro centros de internação da capital do país ¿ aumento de 144% em cinco anos. Do total de internos no Caje, 80% são reincidentes; 45% não se sentem seguros no local; e 42% abandonaram a escola. Mais da metade dos jovens é de Ceilândia, Samambaia e Planaltina, segundo levantamento da Universidade de Brasília (UnB). Hoje, o Caje possui 100 internos a mais do que a capacidade máxima. O Ministério Público também aponta falhas mais graves, como a falta de um plano político-pedagógico para os infratores e construções inadequadas.

A Secretaria de Justiça do DF elaborou um projeto que prevê a construção de quatro centros de internação em São Sebastião, Brazlândia, Sobradinho II e Santa Maria. Em cada casa, seriam investidos cerca de R$ 12 milhões, totalizando R$ 48 milhões. Segundo o chefe da pasta, Geraldo Martins, o plano já foi enviado para a equipe de transição de governo. A execução das obras, no entanto, caberá a Agnelo, caso o governador eleito aprove o projeto.

Enquanto isso, na 716 Norte, esses mesmos adolescentes amedrontam comerciantes. ¿Eles nos ameaçam. Já fui roubada mais de uma vez por crianças armadas. Isso é um absurdo¿, afirma, com medo, um comerciante da quadra. Na Feira do Guará, as reclamações contra adolescentes também são constantes. ¿Nessa época do ano eles ficam em bando aqui, furtam, assaltam, eles sabem que nada vai acontecer com eles¿, afirma a comerciante Maria Rosa de Silveira, 46 anos.

Agnelo mudará postos comunitários

Procurado pelo Correio o governador eleito Agnelo Queiroz afirma ter prioridades para a segurança já no início de seu governo. Uma das propostas, que foi amplamente difundida na campanha eleitoral do petista e que deve sair rapidamente do papel, é o programa de Policiamento Inteligente. A ideia é alterar a concepção dos postos comunitários, transformando-os em postos móveis, com uso de vans, carros e motos de apoio. Os postos comunitários fixos serão agrupados, e os que se mostrarem de utilidade, reequipados. Já aqueles que forem considerados desnecessários serão transformados em sedes dos setores de policiamento das regiões em que estiverem localizados. Nesse caso, o posto passará a contar com uma central de monitoramento de câmeras, a fim de fortalecer o policiamento comunitário de regiões específicas. Além de câmeras, o veículos da PM terão GPS, recurso que permitirá o controle e o geoprocessamento operacional.

Para resolver os problemas de recursos humanos, por sua vez, o novo governador promete aumentar o efetivo. Agnelo garante que vai contratar mil policiais militares ao ano nos próximos quatro anos. Além disso, ele contará com o apoio dos 1.360 concursados que aguardam formação. A Polícia Civil também receberá mais homens, além de ser reequipada, a fim de aumentar a eficiência de suas ações. ¿Teremos o policiamento preventivo, protegendo a comunidade, lado a lado da população com a PM. E uma polícia investigativa, com a Civil. Bandidos não ficarão impunes. A nossa capital federal tem que ser a cidade mais segura do país. É uma obrigação nossa ser o exemplo de um modelo de segurança eficiente", afirmou o governador eleito.

Em relação ao Caje, Agnelo afirmou que, antes da decisão judicial, estava prevista no seu programa a desativação do centro. Para ele, o modelo atual tem de ser mudado, descentralizando a internação dos jovens infratores.

Três perguntas para

Marcelle Figueira, coordenadora do curso de tecnologia em segurança pública da Universidade Católica de Brasília (UCB)

Em sua opinião, qual deve ser a primeira medida na área de segurança tomada pelo governador Agnelo Queiroz? Assim que assumir o Distrito Federal, o próximo governo terá que promover um diagnóstico da situação atual da unidade da Federação. Muitos falam que a criminalidade no DF está se transformando, que existe uma nova dinâmica de crimes, de pequenos delitos e de desordens associadas ao Entorno. Esse conhecimento baseado na observação, no entanto, não é suficiente para fundamentar a política de segurança a ser adotada. Para saber quais são, onde estão, e qual é a natureza dos problemas, é preciso um estudo mais profundo. É justamente esse levantamento que vai possibilitar a formulação de uma política que integre as ações prometidas em campanha por Agnelo Queiroz, com posturas diante da realidade vigente

Qual seria uma das principais necessidades da segurança pública no DF hoje? Trabalhar de forma conjunta com a sociedade. É importante consolidar uma parceria e promover o diálogo com os conselhos comunitários de segurança, bem como incentivar a criação de mais entidades como aquelas. No Rio de Janeiro, o sucesso atual das ações de combate à violência deve parte de seu sucesso à participação da comunidade. Hoje, no DF, é dada pouca atenção a essa interação.

A senhora acredita que a proposta de Agnelo Queiroz de instalar câmeras de segurança pela cidade será eficiente na diminuição da criminalidade? O monitoramento por câmeras já se revelou uma excelente iniciativa. Porém essa ação deve estar acompanhada de uma capacidade de pronta-resposta por parte do policiamento. Câmeras não substituem a necessidade de policiais. Na verdade, os equipamentos eletrônicos são elementos a mais para auxiliarem nos processos de segurança. Um exemplo disso é a quantidade crescente de assaltos que foram filmados. O criminoso comete o delito da mesma forma, porque acredita que a polícia não será capaz de chegar àquele local.