Título: A frágil segurança
Autor: Oliveira, Noelle
Fonte: Correio Braziliense, 05/12/2010, Cidades, p. 29

herança sa crise Apesar de os índices de criminalidade terem diminuído, a população não se sente mais protegida. O novo governo terá de resolver problemas sérios, como o número insuficiente de policiais e a falta de integração entre as corporações

Um crime a cada cinco minutos, módulos de postos policiais comunitários no estoque, efetivo insuficiente nas polícias Militar e Civil e aumento crescente no número de reclamações da comunidade. Se as taxas de criminalidade divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) mostram queda nos índices registrados no Distrito Federal, não é esse o clima sentido pelo moradores da cidade. Hoje, do efetivo de 14 mil homens da PM, apenas 2,6 mil atuam diariamente nas ruas. Na Policia Civil, há 90 cargos vagos, entre eles os de delegados ¿ no DF parte das delegacias, como as Planaltina e Santa Maria, compartilham o mesmo chefe com outras regiões administrativas. Problemas como esses prometem tomar tempo e recursos do governador eleito Agnelo Queiroz (PT).

Segundo balanço da Secretaria de Segurança Pública, a criminalidade caiu 13,3% no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2009. Até 30 de junho, foram registrados 50.051 ocorrências, contra 57.740 no mesmo período do ano passado. Os dados oficiais mostram que apenas um tipo de crime registrou crescimento significativo no período. De janeiro a junho do ano passado, 1.418 veículos foram roubados no DF. No mesmo intervalo de tempo de 2010, foram 1.582, um crescimento de 11,5%.

Os dados que buscam mostrar que a segurança aumentou na cidade, no entanto, não convencem a estudante de direito Raisa Gomes Teixeira, 21 anos, sequestrada em outubro deste ano. A jovem, que saía de uma festa em Águas Claras, teve o carro fechado por dois bandidos armados e ficou por mais de duas horas sob a mira de um revólver rodando pela cidade com a dupla. Um outro carro, com comparsas, acompanhou todo o trajeto. A jovem foi liberada na Granja do Torno, após entregar joias, dinheiro e documentos aos acusados. ¿Eles me mandaram descer do carro e correr porque eles iriam atirar. Hoje em dia tenho muito medo, não saio mais sozinha¿, conta. Os acusados foram presos dias depois ¿ um é adolescente e outro tem 19 anos.

A mãe de Raisa também está assustada. Desde o sequestro, ela não descansa enquanto a filha não chega. ¿Não foi só com ela que isso aconteceu. Entre pessoas próximas a mim, quatro já passaram pela mesma situação. Não temos segurança¿, avalia a professora Regina Isaura Gomes. Enquanto isso, a metros de onde Raisa foi sequestrada, aproximadamente 40 postos comunitários estão, há pelo menos seis meses, em um depósito na Área de Desenvolvimento Econômico (ADE) de Águas Claras. Não há previsão para instalação das unidades, sendo que cada uma delas custou R$ 110 mil ao governo. A centésima unidade foi instalada em Ceilândia. Em seguida, explodiu a Caixa de Pandora ¿ escândalo que levou à queda o governo José Roberto Arruda ¿ e o programa foi congelado.

¿É um absurdo, a comunidade precisa desses postos e eles estão aqui abandonados. Todos pagamos caro por isso¿, indigna-se o mecânico José Humberto de Sousa, 52 anos.

O governador Rogério Rosso pretende instalar ao menos 14 postos antes de deixar o Palácio do Buriti.

Ideia ultrapassada Para o consultor em assuntos de segurança pública George Felipe Dantas, a questão dos postos comunitários de segurança deverá ser analisada por Agnelo Queiroz no início de seu governo. ¿O novo governador deve estudar uma política de segurança pública que supere os problemas dos postos. O governador Arruda prometeu 300 unidades, afirmando que iriam diminuir os índices de criminalidade em 10% em todo o DF. Porém não existe evidência técnica na literatura criminológica que estabeleça esta ou aquela relação entre segurança pública e número de postos policiais ou uma relação entre segurança pública e tipo de ação policial.¿ Agnelo sinalizou que não pretende manter o atual modelo de funcionamento dos postos, mas ele deverá decidir o que fazer com as estruturas existentes ¿ algumas das quais estão praticamente desativadas ¿ e as prontas e ainda não instaladas.

Outros especialistas em segurança pública ouvidos pelo Correio consideram que uma das grandes tarefas do novo governador será fortalecer a atuação da Secretaria de Segurança Pública. ¿O DF tem vários desafios. O primeiro, e de fundamental importância, é uma reforma nas instituições de segurança pública do DF. Hoje, a Secretaria de Segurança não é um órgão que tem as polícias subordinadas a ela. É importante dar poder à secretaria, de forma que ela se torne um órgão articulador¿, diz a coordenadora do curso de tecnologia em segurança pública da Universidade Católica de Brasília, Marcelle Figueira.

Ainda segundo a especialista, a secretaria seria a responsável pela integração das instituições. ¿Promover uma articulação entre as instituições é essencial para ter verdadeiramente uma política de segurança pública. Hoje, o órgão está prejudicada, uma vez que os chefes da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro são subordinados diretamente ao governador. A secretaria tem poucos instrumentos para agir¿, explica.

O sociólogo e especialista em segurança pública Arthur Trindade destaca também a necessidade da criação, por parte do novo governo, de uma ouvidoria de polícia externa às instituições da área. ¿No DF é cada um por si, não é assim em todo o Brasil. Deve-se pensar na melhoria do sistema de capacitação e treinamento dos policiais. É urgente o início da preparação de segurança para a Copa do Mundo¿, avalia.

Balanço De janeiro a junho deste ano, foram registrados 261 roubos com restrição de liberdade no DF, outros sete crimes foram registrados como sequestros relâmpagos. No mesmo período, 800 cobradores e motoristas de coletivos foram assaltados no DF. Ainda nos seis primeiros meses do ano passado, 1.285 pontos comerciais foram alvo de ações criminosas. Também registraram-se 226 assaltos a residências, 24 latrocínios e 241 estupros.

Série de reportagens » A partir de hoje, o Correio publica uma série de reportagens com um diagnóstico sobre 12 setores do Distrito Federal. As matérias vão mostrar como anda a qualidade dos serviços públicos relacionados aos seguintes temas: segurança, saúde, educação, transportes, trânsito, infraestrutura e obras, habitação, esporte e lazer, urbanismo, cultura, economia e combate às drogas. Brasilienses que convivem com os problemas da cidade vão mostrar a situação dessas áreas e especialistas vão indicar possíveis soluções. A cada dia, será publicado um diagnóstico específico. Representantes do governador eleito, Agnelo Queiroz, também vão explicar o que pretendem fazer para resolver os problemas debatidos. Amanhã, os leitores vão conhecer as falhas na política de combate às drogas.