Título: Usinas temem os impactos de maior produção
Autor: Rockmann, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2007, Caderno Especial, p. F4

A indústria siderúrgica mundial vive um momento de intensa movimentação. Impulsionadas pela forte geração de caixa acumulado nos últimos anos, as usinas têm buscado consolidar suas posições, internacionalizando a sua produção, deslocando-se para países onde os custos de fabricação são mais baixos, como por exemplo Brasil, Índia, Rússia. Na década de 1990, 31% da produção mundial estava em países desenvolvidos. Hoje esse percentual já subiu para 50% e deve alcançar cerca de 60% até 2010.

Além da busca por competitividade, as usinas têm visto o impressionante crescimento da China no setor. Em 2003, o país asiático tinha um saldo importador negativo de 34 milhões de toneladas por ano de aço. Três anos depois, a China inverteu o jogo: passou a ser exportadora líquida, com um saldo positivo de 36 milhões de toneladas anuais.

China e consolidação tornaram-se as duas palavras mais recorrentes do vocabulário dos executivos do setor. "A indústria acompanha atentamente todos os passos da China", afirma o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), Marco Pólo de Mello Lopes. Com produção de 400 milhões de toneladas anuais, a China tem grande influência sobre a demanda. Uma expansão de 10% em um ano poderia fazer com que o excedente de aço crescesse muito, influenciando os preços.

Hoje a indústria chinesa de siderurgia, pelo menos 70% nas mãos do Estado, é bastante fragmentada. Um plano de reestruturação está em andamento. A intenção é fechar plantas obsoletas e aplicar recursos em novas capacidades com tecnologias mais atualizadas. "Mas isso é uma incógnita, se eles mudarem as intenções, podem manter as plantas antigas e colocar novas, o que poderá criar um desbalanceamento no mercado internacional", diz Mello Lopes.

A rápida expansão produtiva chinesa, no entanto, tem gerado críticas dos Estados Unidos e da União Européia. Ações protecionistas dessas economias contra a entrada de aço chinês são discutidas a todo o momento. Para frear seu superávit, o governo chinês vem buscando reduzir os incentivos dados à exportação, eliminando alguns e diminuindo o incentivo aos produtos de maior valor agregado de 8% para 5%. Algumas dessas decisões foram tomadas neste mês. "É difícil fazer previsões agora, mas minha hipótese é de que o superávit chinês se mantenha", afirma o professor da Universidade Federal de Uberlândia e especialista no setor siderúrgico, Germano Mendes de Paula.

Há quatro anos, o Brasil exportava 2,4 milhões de toneladas anuais de aço para a China, o que proporcionava uma receita de US$ 730 milhões. No ano passado, foram embarcadas 67 mil toneladas, o que representou um faturamento de US$ 52 milhões e apenas 0,5% das exportações totais do setor no período. "Hoje a China não é mais um mercado representativo", afirma o vice-presidente executivo do IBS. As usinas brasileiras hoje exportam para 100 países, sendo que os mercados mais importantes são os Estados Unidos e ao países da América do Sul.

Colocar um pé nesse mercado gigantesco, no entanto, não deve ser fácil. Com a maioria das usinas em mãos estatais, investir na China requer mais que habilidade de negociação. "É preciso contar com a bênção estatal, o mercado sofre muitas intervenções estatais, como por exemplo com a redução dos incentivos", afirma o professor Mendes Paula. Há outro fator de preocupação em relação ao comércio indireto. O país poderá aumentar a produção de bens fabricados a partir de aço e aumentar seus embarques, por exemplo, à América Latina de veículos.

A Índia, onde cerca de 40% da produção está nas mãos do Estado, atualmente não é um grande exportador de aço. Boa parte de sua produção se destina ao mercado doméstico, mas o país asiático tem grande potencial para se tornar um dos maiores players do setor. "Há minério de ferro de boa qualidade, mas o consumo aparente do país ainda é baixo", analisa Mendes Paula. "A indústria tem encontrado dificuldades para viabilizar projetos, por conta da lentidão decorrente da burocracia e exigências ambientais", diz.

Mas os planos do país são audaciosos. Em novembro de 2005, o governo anunciou que em 2020 a capacidade siderúrgica pularia para 120 milhões de toneladas anuais. No fim de 2006 reviu os planos e estima que a expansão possa chegar até a 200 milhões de toneladas anuais.

O surgimento de excedente exportável constitui outra alavanca para impor ao mercado mundial um novo ciclo de fusões e aquisições no setor siderúrgico. Os cinco maiores grupos do setor respondem por cerca de 17% da produção mundial. A fusão entre Arcelor e Mittal criou uma empresa com escala de 110 milhões de toneladas anuais, cerca de 10% da capacidade mundial. A iniciativa também criou um novo paradigma, ao selar a união entre duas companhias saudáveis e com forças semelhantes.