Título: Avanço da China pesa na balança dos latinos
Autor: Tiago, Ediane
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2007, Caderno Especial, p. F6

O avanço da economia asiática atinge os países da América Latina desde a ascensão do Japão, Coréia e Malásia. A situação agravou-se com a entrada da China e da Índia no mercado global, que juntos quadruplicaram a mão-de-obra disponível no mundo ao inserir uma parte de suas populações na indústria. Somam-se ao problema o fato de que, mais baratos e produzidos em larga escala, os produtos asiáticos invadiram os mercados domésticos dos países latinos e, ao mesmo tempo, tiraram deles volume de exportação.

Os estragos nas balanças comerciais na América Latina devem ser observados já neste ano. Segundo matéria recente do Valor, pela primeira vez em seis anos, e após obter robustos superávits, países da região ricos em commodities - Brasil, Argentina e Chile - vão registrar déficit no comércio com a China em 2007. As demais nações da América Latina (com exceção do Peru) assistem há algum tempo ao aprofundamento do saldo negativo, de acordo com dados do BID. O México - país pobre em recursos naturais e concorrente da China em manufaturados - amargou déficit de US$ 16 bilhões com o país asiático em 2005.

De acordo com um artigo publicado pelo economista sênior do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Maurício Mesquita Moreira, os avanços da China questionam mais uma vez a vocação da América Latina e os destinos de sua indústria. Segundo o economista, a China tem uma economia de US$ 1,7 trilhão - o que equivale a toda a América Latina - e o seu volume de exportações, US$ 593 bilhões registrados em 2004, superou a soma das nações latino-americanas.

Moreira, falou ao Valor sobre os impactos da ascensão asiática na América Latina e propôs caminhos para a diversificação de atividades, especialização e realização de mudanças necessárias para que os países latino-americanos não amarguem perda ainda maior no mercado global.

Valor: Quais foram os países mais atingidos pela entrada da China e da Índia no mercado global?

Maurício Mesquita Moreira: Na América Latina, sem dúvida, os maiores impactos foram no México e nos países da América Central, que dependem muito da manufatura de produtos e não são tão ricos em recursos naturais. No caso do México, a ferocidade chinesa atingiu em cheio a balança comercial, sobretudo com a perda de mercado americano. Em um levantamento realizado pelo BID entre 2000 e 2006, identificamos que a América Latina perdeu US$ 14 bilhões para a China em exportações destinadas aos Estados Unidos. A queda total para a região foi de 4,6% no período e o México amargou 74% destas perdas. A população mexicana vê o volume de produção cair drasticamente e sofre com o desemprego.

Valor: Em que setores da economia as perdas são maiores?

Moreira: As perdas aconteceram em todos os setores, sobretudo nos relacionados à alta tecnologia e à baixa tecnologia. Nestes dois extremos, a competição com os asiáticos é muito dura. Nos setores nos quais o uso do trabalho é intensivo, a perda nas exportações para os EUA foi de 18%, onde há utilização intensiva de tecnologia, foi de 16%. No mercado global, mapeamos as perdas entre 1990 e 2004 e os números também são assustadores. Na área de fabricação de calçados, a América Latina perdeu 40% de participação para a China e representou perdas de US$ 623,3 milhões. Este setor é intensivo em mão-de-obra. Para se ter uma idéia do tamanho do problema, a China possui 100 milhões de empregados em sua indústria, enquanto o Brasil emprega 8 milhões neste segmento. Não dá para competir.

Valor: Como é possível reverter esta situação?

Moreira: A superação dos problemas causados por essa competição dependerá da capacidade da região em implementar uma agenda de políticas que inclua a consolidação da estabilidade macroeconômica por meio de uma gerência fiscal responsável, a formação de mercados regionais integrados, a ampliação do acesso ao crédito para empresas locais e o fortalecimento da capacitação tecnológica regional. A América Latina tem muito por fazer e é preciso encarar a urgência de mudanças estruturais. Os governos precisam entender a necessidade de fortalecer a região. Não dá para competir com a China sem investir em infra-estrutura e melhorar produtividade.

Valor: Quais são as principais vantagens competitivas dos países latino-americanos em relação aos asiáticos?

Moreira: A principal delas é a proximidade com o maior mercado consumidor do mundo, os EUA. Essa vantagem pode ser utilizada para fornecer produtos pesados, nos quais os custos de transporte têm fortes impactos nos produtos asiáticos, e em perecíveis ou mercadorias com necessidade de reposição rápida. Um bom exemplo é a indústria de vestuário. A moda exige uma dinâmica logística cada vez mais sofisticada, por depender de reposição rápida de mercadorias e da produção de novos produtos em tempo reduzido. Neste mercado, a proximidade é um grande aliado. Por isso, a saída mais óbvia para a indústria latino-americana é a especialização em setores nos quais conseguirá competir com China e Índia.

Valor: Quais são os bons exemplos de reestruturação na América Latina?

Moreira: O Chile é com certeza um case de sucesso, mas sua estratégia infelizmente não pode ser simplesmente copiada por outros países latinos. Uma importante característica deste país é que sua população é pequena - em torno de 10 milhões de habitantes. Isso facilita muito as coisas. O Chile também é rico em recursos naturais: 40% de suas exportações vêm do cobre. As importantes lições chilenas são os avanços políticos e institucionais e o investimento que país tem feito na diversificação, sofisticação tecnológica e especialização em alguns produtos. É um bom exemplo de exploração de recursos naturais que resulta em investimento no país e na sociedade e capacitação de mão-de-obra.

Valor: Em contrapartida, quais são os maus exemplos?

Moreira: A Venezuela é um bom exemplo de todos os riscos possíveis que um país pode correr. A política econômica está baseada na exploração de um recurso natural não-renovável, o petróleo, e o país não investe em crescimento sustentável. Ou seja, está explorando o recurso, mas não está preparando as bases para o seu crescimento quando este ficar escasso. A política populista é outro agravante.

Valor: Qual é a posição da Argentina neste novo cenário?

Moreira: A Argentina está no meio do caminho entre o Chile e o Brasil. Deve manter uma diferenciação em setores como a agricultura e exploração de recursos naturais para se destacar.