Título: Papel de negociador e diplomata favorece Brasil
Autor: Castro, Daniel De
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2007, Caderno Especial, p. F6

Eles são capazes de mudar notavelmente o modelo econômico, político e social herdado do pós-guerra. São economias que dispõem de meios para se impor na arena global, trocar as regras do jogo e colocar para escanteio muitos dos velhos hábitos do seleto clube de países desenvolvidos. Para os pesquisadores do instituto Iddri (Institut du Développement Durable et de Relations Internationales), China, Índia, Brasil e África do Sul encabeçam hoje o chamado núcleo duro deste bloco de economias em desenvolvimento cada vez influentes no cenário mundial.

Na visão do instituto, a China se destaca pelas dimensões, o dinamismo econômico e o poderio militar. No caso da Índia, a característica marcante é sobretudo a estrutura demográfica. Já o Brasil garante a atenção pelo peso comercial em determinados segmentos e pela influente política internacional. E graças à liderança que exerce no continente africano, tanto no cenário político quanto no econômico, a África do Sul também figura com peso no grupo, ocupando um lugar que para muitos no mercado costuma ser atribuído à Rússia.

O pesquisador francês Guillaume Ernst, responsável pelo projeto Países Emergentes e Governança Global do instituto, diz que a China e a Índia são vistas como as principais ameaças para os países da União Européia no que se refere ao mercado de trabalho e à capacidade industrial do bloco. "A questão é saber se os setores industriais de peso na Europa vão conseguir se adaptar, modernizar as estruturas e melhorar a produtividade", diz Ernst.

Para ele, o que aconteceu com o setor automobilístico francês nos anos 80 em função da concorrência com os carros japoneses pode se repetir em relação à China e à Índia. "Na época, a França pediu proteção para conseguir modernizar o setor automobilístico. O que aconteceu? O país teve o que queria, mas com uma redução no número de empregos. E isso é o que pode acontecer agora em outros setores, o que representa um fator de tensão muito grande."

Influenciado por estas preocupações, o governo francês encomendou a um grupo de 15 especialistas um estudo sobre os impactos da globalização para a França e para a UE. Algumas das conclusões foram divulgadas no começo deste mês. O grupo faz sugestões quanto à postura do país e o bloco neste cenário. A primeira recomendação: que a França recupere seu papel estratégico criando um Conselho de Globalização, sob comando do presidente da República ou do primeiro-ministro, para traçar objetivos e identificar parceiros estratégicos.

O estudo recomenda também "uma política comercial mais justa e ambiciosa" com a conclusão da Rodada Doha, sugerindo tratamento prioritário para esta questão dentro da divisão de comércio exterior do bloco europeu. Outra sugestão é que a UE tenha uma atuação mais direta nos esforços voltados ao aperfeiçoamento da governança nos países emergentes. Mas esta ajuda deveria ser condicionada ao respeito aos direitos humanos, aos direitos fundamentais do trabalho e ao meio ambiente.

As sugestões do estudo tocam diretamente em alguns pontos sensíveis dos grandes emergentes, sendo a China o mais atingido. "Sabemos que o governo chinês está muito preocupado com a questão ambiental, mas até hoje esta posição não foi capaz de fomentar medidas concretas para a redução desta ameaça", afirma Guillaume Ernst.

Margit Molnar, economista da divisão de países não-membros do departamento econômico da OCDE, acredita que a China já faz esforços para mudar a visão estratégica em relação ao meio ambiente. "Eles têm tentado focar-se mais em qualidade e não somente em quantidade. Acho que as autoridades chinesas prefeririam ver um crescimento anual menor em até três pontos percentuais a ter um PIB se expandindo na casa de 10% mas com o nível de poluição atual", afirma ela.

Na área ambiental, a situação do Brasil parece menos complicada que a dos outros emergentes. Mas segundo Ernst, isso se deve muito mais ao baixo desenvolvimento industrial do país do que às boas práticas em relação ao meio ambiente. "Nós sabemos que o Brasil tem leis ambientais muito boas, mas sabemos também que a capacidade de implementação delas, na prática, é muito baixa."

Na visão do pesquisador, é na política externa que os brasileiros têm conseguido consolidar-se como uma liderança entre os emergentes nas negociações envolvendo comércio exterior e diplomacia. "O Brasil tem o costume de se colocar como intermediário em discussões entre os governos dos hemisférios norte e sul. E neste ponto, ele mostra competência e ganha visibilidade". Ernst ressalta que, num horizonte de médio e longo prazos, o papel de negociador e agente diplomático deve mesmo se confirmar como um dos pontos fortes. Esta será uma das únicas brechas para que o país possa assegurar uma posição de destaque no cenário internacional.