Título: Pesquisadores apontam caminhos da inclusão
Autor: Levy, Clayton
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2007, Caderno Especial, p. F6

Combinar inovação tecnológica com crescimento econômico e inclusão social é o principal desafio dos BRICs, termo criado pelo banco de investimentos Goldman Sachs para designar Brasil, Rússia, Índia e China, considerados os principais países emergentes do mundo. Essa é uma das conclusões preliminares do Projeto BRICs, estudo organizado pela Globelics, uma rede mundial que reúne 17 universidades e desenvolve pesquisas sobre inovação, conhecimento e desenvolvimento. Os primeiros levantamentos serão expostos no Workshop Internacional do Projeto BRICS, de 25 a 27 de abril, no Rio de Janeiro.

Lançado há um ano na Dinamarca, o projeto envolve pesquisadores dos BRICs mais a África do Sul. Cada um dos cinco países conta com uma coordenação nacional para levantamento dos dados. No Brasil, o trabalho é coordenado pelo professor José Eduardo Cassiolato, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "O objetivo é comparar as diferentes trajetórias e estratégias desses países a partir dos sistemas nacionais de inovação", diz o economista Mariano Laplane, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que integra o grupo brasileiro.

Pelas contas do Goldman Sachs, até 2050, a soma do Produto Interno Bruto (PIB) dos BRICs será superior à receita do G-6 (EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Japão e Itália), bloco que, atualmente, reúne as maiores economias do globo. Os cálculos, feitos com base nas últimas projeções demográficas e econômicas dos quatro emergentes, chamaram a atenção do mercado de capitais. Mas, para Laplane, o assunto não se restringe aos especuladores financeiros. "Claro que há potencial de crescimento, mas isso só acontecerá de fato se houver inclusão social", observa.

Para ele, o caminho para o crescimento econômico com inclusão social passa pela inovação tecnológica. O estudo, segundo Laplane, poderá apontar saídas a partir de experiências de sucesso bem como dos erros cometidos. Embora os cinco países tenham muitos aspectos em comum, como dimensão geográfica, grandes populações e industrialização acelerada, os relatórios preliminares também revelaram contrastes. Os principais são índices de crescimento.

O Brasil, por exemplo, está atrás de todos os outros BRICs. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1992 a 2005 o crescimento médio do PIB brasileiro não passou de modestos 2%, em comparação a 9,7% da China, 6,5% da Índia, 3,8% da Rússia e 3% da África do Sul. Para Laplane, os números mostram que, do ponto de vista econômico, o Brasil está em estado de coma. "Não é profundo, mas a coisa não sai do lugar."

Outra diferença em relação ao Brasil é a presença de uma política de Estado para transformar conhecimento em riqueza. A estratégia implica integrar pesquisadores, empresários e governo num único circuito. "Nós temos um sistema muito desequilibrado", diz Laplane. Ele chama a atenção para o fato de 70% dos cientistas em atividade no Brasil estarem concentrados em instituições acadêmicas. "O diálogo entre o nosso sistema de ciência e tecnologia com o sistema produtivo é insuficiente."

Laplane admite que medidas recentes, como Lei de Inovação, ajudaram a melhorar o cenário, mas diz que o país ainda está longe do ideal. Para ele, as razões são históricas. "O Brasil sempre substituiu o esforço próprio por absorção de tecnologia de fora", diz. Além disso, diz, a atividade produtiva sempre olhou para a geração do conhecimento como algo desnecessário. "O sistema ficou penso porque nos acostumamos a gerar conhecimento sem demandas específicas do setor produtivo."

Segundo Laplane, China e Índia têm programas de desenvolvimento de longo prazo. A Rússia, pelas recentes e intensas transformações políticas vive mais no curto prazo. "Já o Brasil vive no curtíssimo prazo", afirma o economista. E completa: "Antes de pensar em inovação as empresas brasileiras sempre pensam em sobreviver ".

A China, segundo Laplane, é um contraponto ao contexto brasileiro. "Eles mandam milhares de bolsistas para os EUA e Europa, depois os trazem de volta e os colocam no setor produtivo para desenvolver tecnologia." Além de bancar a formação de mão-de-obra especializada, o Estado garante a demanda, encomendando projetos tecnológicos. "Não é só a questão da oferta ou da capacidade, alguém tem de colocar o sistema em movimento", observa. Na China, os investimentos internos em formação de capital chegaram a 43% do PIB em 2005, contra 19,9% no Brasil.

Outra estratégia chinesa é estabelecer contrapartida nas parcerias com multinacionais. Toda autorização para entrada de capital estrangeiro na China envolve transferência de tecnologia para uma empresa local. "Eles atraem o capital estrangeiro e, por meio de mecanismos de regulação, fazem com que as empresas chinesas tenham acesso às tecnologias de fora", diz. Hoje, se uma multinacional quiser investir na China, terá de ter um parceiro chinês associado.

"A liberdade que as empresas estrangeiras encontram no Brasil para definir seus negócios não existe na China, na Índia e muito menos na Rússia", diz o economista. As multinacionais que não aceitam esse tipo de acordo simplesmente não entram no mercado chinês. Isso ocorre principalmente com aquelas que têm no segredo a essência de seu negócio.

Na Índia, que nunca teve um regime centralizado, o desafio é criar um sistema de inovação auto-suficiente. "Eles têm um programa nuclear que é parte importante do sistema de ciência e tecnologia, mas nas áreas onde é difícil sobreviver apenas copiando há um esforço muito grande para geração de conhecimento", explica Laplane. Segundo ele, isso ocorre, principalmente, nas indústrias farmacêutica e de software. "Esse esforço começou nos anos noventa, mas eles reconhecem que ainda estão longe do ideal", relata.

O eficiente sistema de engenharia reversa que a Índia adotou para desenvolver a indústria farmacêutica começa a enfrentar problemas. "Como todo mundo, a Índia assinou compromissos internacionais de respeito aos direitos de propriedade e ganhou dez anos para fazer os ajustes, a partir de 1995", observa Laplane.