Título: O jogo virou
Autor: Cotias, Adriana e Adachi, Vanessa
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2007, EU & Investimentos, p. D1

O jogo das ofertas públicas iniciais virou e agora quem dá as cartas é o investidor. Em meio a uma série de alternativas de aplicação - só neste ano, 15 empresas abriram o capital e outras 6 chegarão até a semana que vem -, institucionais locais e estrangeiros têm torcido o nariz para propostas caras de marinheiras de primeira viagem. Por tabela, o varejo começa a ver condições um pouco mais favoráveis diante de preços menores, embora a estratégia do lucro rápido não seja mais sucesso garantido.

As ações da JBS (Friboi) caíram 12,5% na estréia na Bovespa. Pine PN recuou 6,05% desde a chegada e as representantes do setor imobiliário PDG Realty, Camargo Corrêa Desenvolvimento e Tecnisa acumulam perdas de 7,07%, 17,20% e 21,62%, respectivamente.

Mesmo depois de algumas empresas revisarem suas operações - cancelando ofertas secundárias (de ações dos sócios) ou reduzindo o valor das ações -, alguns desempenhos deixam a desejar. E a rede de lavanderias industriais Atmosfera, que não se sujeitou ao que os compradores pediam, adiou a operação, na expectativa de ver dias melhores.

Os investidores têm sido mais exigentes, ou pelo fato de haver excesso de ofertas do mesmo setor, caso da construção civil, ou por se depararem com empresas pouco conhecidas. Mas se a mercado viesse uma companhia da economia tradicional, a história poderia ser outra. Se, por exemplo, Companhia Siderúrgica Nacional concretizar a abertura de capital da mina Casa de Pedra, a expectativa é de que haverá apetite de sobra para os papéis. Por ora, a depuração com as novatas é considerada saudável.

"Os preços estavam exagerados, com prêmios baixos para os compradores, mas agora quem dita um pouco mais as regras são os investidores", diz Paulo de Sá Pereira, da Fundação Cesp. Para o especialista, o ponto de inflexão do fluxo externo para ativos emergentes foi observado no fim de fevereiro, quando a China lançou dúvidas a respeito do ritmo do seu crescimento. O estresse foi seguido pela crise das hipotecas americanas.

Ele faz as contas: de lá para cá saíram cerca de R$ 9 bilhões saíram do mercado brasileiro, dos quais R$ 2 bilhões já voltaram, mas de maneira mais conscienciosa. "O mercado não está mais disposto a aceitar ofertas secundárias, pois a abertura de capital tem de incrementar o negócio e não o bolso do acionistas", diz. Algumas candidatas ao pregão já entenderam o recado. Depois de as incorporadoras Even e JHSF terem cancelado a venda das participações dos sócios, as concorrentes CR2 e Agra oferecerão só papéis novos.

O que cria uma situação quase paradoxal é que nas últimas semanas o Ibovespa voltou a testar seus níveis recordes e, mesmo assim, houve certa indigestão com as novas ofertas. Se até recentemente quem definia o preço do papel era o vendedor, agora quem manda é o comprador, diz um banqueiro de investimentos. "O mercado oscila, como pêndulo, e isso é normal. O mais importante é que as operações estão saindo."

Para ele, as operações que estão na rua ainda refletem parâmetros da realidade anterior, em que a forte demanda permitia que o vendedor fixasse o preço alto. "As próximas já devem vir com avaliações ajustadas ao novo cenário." Para alguns, esse ambiente se explica pelo fato de a posição de caixa dos fundos hedge já não ser tão farta. Sem pressão para aplicar o excesso de liquidez, o ímpeto diminuiu e os gestores tornam-se mais seletivos.

Adicionalmente, os fundos que entraram nos IPOs recentes estão colhendo resultados ruins. Com isso, interrompeu-se um ciclo que até então mostrava-se virtuoso. Os investidores, que vinham realizando logo o ganho para entrar na oferta seguinte não têm sido bem sucedidos sempre. Isso não quer dizer que está decretada a morte dos chamados "flippers", diz o professor de Finanças do Ibmec-RJ, Luiz de Magalhães Ozório. "Enquanto a proporção de papéis for pequena e com grandes rateios no varejo, essa estratégia perdura, é só os fantasmas irem embora."

Apesar da redução dos preços, alguns múltiplos ainda são elevados e mostram que o investidor tem bancado promessas de crescimento acelerado, diz o sócio da Value Consultoria, Rodrigo Pasin. No início do ano tinha empresa abrindo o capital com um indicador de Preço/Lucro (P/L, a relação entre o valor de mercado e o resultado e que dá uma idéia do prazo de retorno do investimento) em quase dois séculos. Agora, a JBS Friboi veio com um indicador de 37,76 anos, enquanto JSHSF e Even acima de 50 anos. Metalfrio, a tradicional fabricantes de produtos de refrigeração, estreou na sexta com um P/L de 42,13 anos e subiu quase 8%, o que sinaliza que há quem considere que o negócio tem muito a avançar. Companhias mais maduras, como Vale e Petrobras, têm um P/L na casa dos 8, 10 anos.

Mas se o mercado começa a encontrar sua racionalidade, a festa dos IPOs está longe do fim, afirma o tesoureiro do BES Investimentos, Paulo Saba. Para ele, a rapidez com que algumas empresas reavaliaram suas operações é um sinal de amadurecimento. Das 15 ofertas deste ano, o HSBC Investments acolheu apenas 4 empresas nas carteiras dos seus fundos, conta Eduardo Favrin, responsável pera área de renda variável. "Em muitos casos, até gostamos do caso de investimento, mas o preço não proporcionava um bom potencial de valorização."