Título: Exportação de TI sofre com dólar baixo
Autor: Borges, André e Cruz, Patrick
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2007, Empresas, p. B2

Os empresários do setor de software e serviços voltados à exportação estão fritando os cérebros para lidar com os efeitos da desvalorização do dólar frente ao real, situação que joga para cima o preço da mão-de-obra brasileira, já combalida quando têm que lidar com a fúria de seus concorrentes asiáticos.

A grita é geral. Os executivos reclamam que já estão perdendo contratos não apenas para seus clássicos rivais, mas também para países que, até então, sequer estavam no radar das empresas de países da União Européia e dos Estados Unidos, os maiores compradores de serviços de tecnologia da informação (TI) em todo o mundo. Mais caro, o Brasil deixou de brigar com Índia e a China, e partiu para a disputa com concorrentes como República Tcheca, Hungria, Egito e África do Sul, sem contar seus vizinhos latinos, como Argentina, Chile e México. "Essa situação do câmbio está longe do razoável, ela já beira o insuportável", diz Marco Stefanini, presidente da brasileira Stefanini IT Solutions. "Sempre procuramos compensar a queda do dólar com a oferta de serviços agregados, mas chega uma hora que não dá mais."

Tal como a Stefanini, a americana EDS, especializa na oferta de serviços de TI, admite que está perdendo contratos para outros países por conta da questão cambial. "Não estamos competitivos, essa é a verdade. É algo insustentável para nós", comenta o diretor de planejamento de operações da EDS Brasil, Alexandre Jacobs. O executivo lembra que, há dois anos, quando a EDS Brasil montou sua estratégia de exportação, tinha a meta de contratar 4,5 mil funcionários para essas operações até 2008. Hoje, porém, soma 1,5 mil profissionais nesse segmento. Se muito, atingirá 2,5 mil empregados até 2008. "Estamos em ritmo de crescimento, mas é claro que abaixo do que estava projetado", afirma o executivo da EDS, que acaba de perder um contrato do setor aéreo para outra subsidiária da empresa.

Na BMC Software, fabricante de sistemas que faturou US$ 1,5 bilhão no ano passado, o impacto para a subsidiária é mais radical. Com unidades de desenvolvimento nos Estados Unidos, Irlanda, Israel e Índia, a empresa planeja implantar novos centros de serviços em até um ano, segundo o diretor da companhia para a América Latina, Javier Carrique. Se o real não estivesse tão valorizado, afirma ele, o Brasil "poderia ser uma das alternativas" para o processo de expansão das operações. A hipótese, contudo, está descartada. "Os investidores analisam estabilidade econômica, facilidades de infra-estrutura, segurança jurídica e custo de mão-de-obra. Instabilidades nesses quesitos acabam gerando desconfiança", diz o executivo da BMC, que conta com escritório no Brasil há 11 anos.

A dificuldade do setor de serviços de software em lidar com a desvalorização do dólar está atrelada à gestão daquele que é o seu principal ativo: a mão-de-obra especializada, uma matéria-prima de alto custo operacional, engessada pela forte carga tributária. Na última semana, ao comentar a questão cambial, o novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, provocou o mercado ao sugerir que os setores prejudicados deveriam se "reinventar" para lidar com a situação. "Acontece que, do jeito que está, não tem muita saída, temos que esperar e ver o que acontece", diz o Rogério Brecha, vice-presidente da área internacional da brasileira Braxis, empresa que recentemente comprou um terço das operações da CPM.

Um dos caminhos possíveis, comenta o executivo, seria se concentrar em nichos específicos - como determinadas operações do setor financeiro, por exemplo -, onde o fator 'preço' é menos importante. Ocorre que a estratégia esbarra em outros problemas. "Se nos voltarmos para serviços muito específicos, perdemos muito em escala, e o negócio fica inviabilizado."

O jeito é cortar onde dá. Na subsidiária brasileira da Tata Consultancy Services (TCS), a formação de mão-de-obra é uma das formas que a empresa encontrou para reduzir seus custos. Em vez de contratar profissionais de nível mais sênior - e consequentemente mais caros - , a filial da companhia indiana está treinando profissionais. "Isso exige uma atenção muito grande com nossos processos, mas ajuda a cortar gastos", diz o diretor de relacionamento da TCS Brasil, Fernando Graton. "Essa situação do dólar deverá durar muito tempo, e nós temos que nos adaptar."

Em outros casos, como o da brasileira Politec, a saída para lidar com a trama cambial tem sido a abertura de filiais em países mais baratos. No ano passado, a empresa anunciou a abertura de uma fábrica na China. Agora, também se prepara para construir uma unidade na Índia. O real valorizado é uma das principais razões para a aceleração da ida ao exterior, diz o vice-presidente da empresa, Humberto Ribeiro. "Nosso plano original de internacionalização era exportar a produção do Brasil. Essas fábricas ficariam aqui." As unidades do exterior devem começar a produzir softwares em 2008.

Quando a Politec começou a estruturar seus planos para entrar no mercado internacional, há três anos, o dólar estava cotado em R$ 3,40. A programação inicial previa que as exportações representassem cerca de 20% da receita até o fim de 2006. A empresa fechou o ano passado com faturamento de US$ 250 milhões, mas as exportações representaram uma fatia de apenas 5%. "Poderíamos ser hoje uma empresa de R$ 700 milhões de faturamento, e muitos empregos deixaram de ser criados no Brasil", comenta Ribeiro.

Apenas em 2006, a valorização do real frente ao dólar foi de 11,8%, segundo informações da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Até mesmo a indústria nacional de informática (hardware), que costuma se favorecer do alto volume de componentes importados contidos nos equipamentos, teve que aumentar o preço de produtos neste ano em 4,86%, diz o presidente da Abinee, Humberto Barbato.

Nos próximos dias, o governo deve anunciar um pacote de medidas para desonerar a mão-de-obra no setor de software, custo que chega a abocanhar mais de 70% do orçamento operacional das empresas. "É a única coisa que pode fazer diferença", diz o executivo Marco Stefanini. "Ou então o Brasil vai ter que desistir logo disso e se tornar um grande exportador de commodity."