Título: Na mira do Tio Sam
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 07/12/2010, Mundo, p. 24

WikiLeaks divulga documento que lista instalações críticas para os EUA, inclusive minas e cabos de comunicações no Brasil

O que têm em comum uma mina de manganês e minério de ferro em Minas Gerais, uma indústria farmacêutica na Austrália e um gasoduto no Canadá? Todos eles, segundo um novo documento divulgado pelo site WikiLeaks, podem colocar em risco a segurança dos Estados Unidos. Em um telegrama do Departamento de Estado, enviado em fevereiro de 2009 às representações diplomáticas em todo o mundo, são listadas centenas de instalações, empresas e locais ¿sensíveis¿ em diversos países, inclusive o Brasil, ¿cuja perda afetaria de maneira significativa a saúde pública, a segurança econômica e a segurança nacional dos EUA¿. A revelação coloca em questão, mais uma vez, a conveniência da divulgação de dados que podem colocar em risco não só a população americana, mas a dos demais países citados no documento.

Para o Pentágono, isso atesta que os documentos ¿roubados¿ pelo site de Julian Assange podem prejudicar os EUA e dar informações preciosas aos adversários. ¿Essa é uma das muitas razões pelas quais acreditamos que as ações do WikiLeaks são irresponsáveis e perigosas¿, disse o porta-voz do Pentágono, David Lapan. Em telegrama classificado como ¿secreto¿, a secretária de Estado, Hillary Clinton, pede aos diplomatas americanos que atualizem a lista de lugares e empresas que, se ¿destruídas, atrapalhadas ou exploradas, podem ter efeito imediato e deletério para os EUA¿. Em anexo, enviou os pontos elencados em 2008, mas deixou claro ao corpo diplomático que nenhum deles deveria ser discutido com os governos locais.

Os pontos sensíveis incluem áreas de agricultura e alimentos, energia, saúde, comunicações e serviços de emergência, além de componentes de sistemas fincanceiros e de transportes e as indústrias de defesa e nuclear. Também figuram na lista barragens, monumentos nacionais e instalações governamentais de outros países. O nível de ameaça varia com a ¿distância¿ do alvo potencial para Washington. De acordo com o comunicado, existem três grupos: alvos que têm ligação física e direta com o território americano, alvos localizados no exterior e aqueles que integram a cadeia de suprimentos.

Entre eles estão instalações como o porto de Ningbo, no sudeste da China, o quinto maior do mundo por tonelagem de carga, um gasoduto na Sibéria, considerado ¿o mais sensível do mundo¿, e a usina hidrelétrica Hydro Quebec, no Canadá, que é uma fonte de energia ¿insubstituível¿ para o nordeste dos EUA. No Brasil, preocupam Washington os cabos submarinos de telecomunicações Americas-2 e GlobeNet, em Fortaleza (CE) e no Rio de Janeiro, a mina de manganês e minério de ferro da Rio Tinto e a mina de nióbio em Araxá (MG) ¿ que concentra 75% da produção mundial¿ e em Catalão (GO). Na Ásia, na África, na Europa e no Oriente Médio, a atenção está voltada para empresas farmacêuticas que produzem vacinas e medicamentos consumidos nos EUA e reservas de minerais raros.

Interdependência Para o vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Marcos de Azambuja, secretário-geral do Itamaraty no governo Collor, a divulgação desse telegrama, especificamente, evidencia duas questões: a grande dependência externa dos EUA e a fragilidade de sua segurança. ¿É uma indicação de como eles são vulneráveis e de como o mundo é interdependente. Mas agora estamos diante de um mudança de paradigma, em que é preciso encontrar uma maneira de salvaguardar as informações¿, disse Azambuja.

O especialista acredita que a divulgação dessa lista pelo WikiLeaks afeta ainda mais a segurança dos EUA, bem como dos países que estão citados ¿ embora em intensidade menor. ¿O primeiro prejudicado são os EUA. Se eu fosse um terrorista, essas informações seriam muito úteis para mim, pois dão o mapa da mina. Se eu sei tudo o que os EUA não podem perder, fica fácil agir¿, afirma. O legislador britânico Malcolm Rifkind, que já foi secretário de Defesa e de Relações Exteriores, acredita que a ação do site pode prejudicar muito as nações envolvidas. ¿É mais uma evidencia de que o WikiLeaks tem sido muito irresponsável¿, disse ao jornal britânico The Times, acrescentando que a sua atividade ¿beira a criminalidade¿. Para o especialista Ray Walser, da Fundação Heritage, no entanto, o vazamento atual ¿não traz nada de novo¿ para quem já está envolvido com planos terroristas.

Cerco financeiro O banco suíço Post Finance encerrou ontem uma conta aberta pelo fundador do WikiLeaks, Julian Assange, para receber doações destinadas ao site. A instituição, braço financeiro dos Correios da Suíça, apresentou como motivo o endereço informado pelo titular, que agora é objeto de um mandado internacional de prisão e consta de circular da Interpol. ¿O Post Finance decidiu colocar fim a sua relação comercial com o fundador do site WikiLeaks. Julian Assange tinha dado informação falsa sobre seu domicílio ao abrir a conta¿, diz o comunicado da instituição. Foi o segundo baque em poucos dias para o WikiLeaks, depois que o site de pagamentos por internet PayPal encerrou outra conta destinada a contribuições para o site.

PONTOS CRÍTICOS

Os locais e instalações listados pelo governo americano estão divididos em três categorias, com base no grau de ameaça

» Possuem ligação física direta com os EUA Oleodutos e gasodutos, cabos submarinos de telecomunicações e bens localizados muito próximos à fronteira com os EUA, e cuja destruição poderia causar consequências ao país, como barragens e instalações químicas.

» Bens e serviços estratégicos Reservas minerais ou produtos químicos essenciais para a indústria dos EUA; produtos essenciais fabricados em apenas um ou em um número reduzido de países; terminais de telecomunicações cuja destruição poderia prejudicar seriamente as comunicações globais.

» Gargalos da cadeia de suprimentos Vias de navegação como o Estreito de Ormuz, por onde escoa o petróleo extraído na região do Golfo Pérsico, ou o Canal do Panamá, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico através do istmo centro-americano; portos ou linhas de navegação essenciais para o fornecimento global de mercadorias.

AUMENTA APOIO À PALESTINA

Seguindo os passos do Brasil, Argentina e Uruguai anunciaram ontem o reconhecimento oficial do Estado palestino, livre e independente, com as fronteiras de 1967. A adesão de mais dois países à lista dos governos que já se reportam oficialmente à Palestina como um Estado soberano traz um reforço a mais para o governo palestino, que, diante do impasse nas negociações com Israel, planeja pleitear o reconhecimento na Assembleia Geral das Nações Unidas. Para Israel, a decisão ¿lamentável¿ dos três países sul-americanos ¿não ajudará em nada¿ o processo de paz.

De acordo com o chanceler argentino, Hector Timerman, a presidente Cristina Kirchner enviou carta ao colega Mahmud Abbas para comunicar o reconhecimento estatal pleno. ¿O governo argentino partilha com os parceiros do Mercosul, Brasil e Uruguai, (o ponto de vista) de que é chegado o momento de reconhecer a Palestina como Estado livre e independente¿, disse Timerman. Segundo o ministro, com o gesto seu governo mostra interesse em ver um ¿avanço definitivo no processo de negociação, que leve a uma paz justa e durável¿ no Oriente Médio.

O porta-voz da chancelaria israelense, Yigal Palmor, considerou a decisão ¿decepcionante¿ e disse que ela vai contra o espírito dos acordos entre Israel e os palestinos. ¿Se a Argentina quisesse fazer uma verdadeira contribuição à paz, deveria optar por outros meios, diferentes de um gesto de pura retórica¿, condenou. A declaração evidencia um abalo nas relações com a Argentina, que possui uma influente comunidade judaica de cerca de 220 mil pessoas. Os mesmos termos foram usados no sábado para responder à iniciativa brasileira. Na véspera, o Itamaraty havia informado sobre a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em resposta a pedido de Abbas.

Em seguida ao anúncio de Buenos Aires, o governo uruguaio declarou a intenção de fazer o mesmo em 2011. ¿Estamos trabalhando na possibilidade de abrir representação diplomática na Palestina, certamente em Ramallah. É uma política coerente com o programa do governo¿, disse o vice-chanceler uruguaio, Roberto Conde.