Título: Com 9 candidatos, disputa na OMC começa indefinida
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 15/01/2013, Brasil, p. A4

Quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) abriu o prazo para candidaturas ao posto de diretor-geral, no começo de dezembro, um comentarista britânico indagou: "E quem se importa com isso?", uma forma de apontar a irrelevância da entidade. Um mês depois, a surpresa foi o surgimento de nove candidatos de todas as regiões. Os comentários passaram a destacar a importância e o interesse por uma entidade-chave na governança global.

Apenas um candidato é de país desenvolvido (Nova Zelândia). Os demais oito representam países autoproclamados em desenvolvimento - três da América Latina (Brasil, México e Costa Rica), dois da Ásia (Coreia do Sul e Indonésia), dois da África (Gana e Quênia) e um do Oriente Médio (Jordânia).

A campanha deslancha com a tradicional tentativa de enfraquecer as outras candidaturas, com doses de rumores. A impressão também é de que, a essa altura, para um total de 158 países-membros da entidade, deve haver pelo menos 300 promessas de apoio, significando traições no momento decisivo.

O candidato do Brasil, Roberto Azevedo, entra na disputa com mais apoio do que ocorreu quando o candidato brasileiro foi Seixas Correia, na disputa com o atual diretor-geral, Pascal Lamy. Em outro cenário, de conflito com o Uruguai, o Brasil obteve menos de dez votos e foi logo eliminado.

Agora, negociadores em Genebra acham que Azevedo "vai longe" na disputa. "Se a escolha fosse unicamente dos embaixadores, Azevedo estaria praticamente eleito", diz importante personalidade da cena comercial, mencionando o bom trânsito do diplomata brasileiro entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e sua qualidade para forjar consensos. "Só que a decisão final de cada país acaba sendo mesmo dos ministros, na capital de cada país, e o resultado pode ser diferente."

Partidários de Azevedo esperam contar com os apoios importantes da China e da Índia. Há céticos sobre isso, que preferem esperar para ver. Primeiro, os Brics não têm agido juntos em momentos decisivos. A experiência com os indianos é de "virar a casaca" na fase decisiva. A cúpula dos Brics em março, na África do Sul, poderá sinalizar para onde vai, de fato, o apoio de seus membros.

O candidato mexicano, Herminio Blanco, dificilmente vai decolar. Ex-negociador do Nafta (o acordo comercial entre México, EUA e Canadá), ele está fora da cena comercial multilateral há um bom tempo. É considerado agressivo por alguns que o conhecem. Sua candidatura parece ter mais a ver com o jogo político interno, com o novo governo procurando afastar uma tentativa de candidatura do ex-embaixador Peres Motta, ligado ao governo anterior.

A candidata da Costa Rica, a ministra de Comércio, Anabel González, foi diretora da Divisão de Agricultura da OMC. Saiu chamuscada junto a alguns países, num fogo cruzado entre Lamy e o neo-zelandês Crawford Falconner, então mediador da negociação agrícola. Tem pouco apoio de países do grupo ACP (África, Caribe, Pacífico). A expectativa é que dispute com o mexicano votos de países como Chile, Paraguai e Colômbia, que dificilmente votarão no Brasil.

Alguns partidários de Anabel alimentam a esperança de ter apoio dos EUA, China e União Europeia, com os quais a Costa Rica tem acordos de livre comércio. O fato de a Costa Rica ter cortado relações diplomáticas com Taiwan e estabelecido com Pequim seria levado em conta pelos chineses. Partidários da Costa Rica dizem nos bastidores que sua candidata tem apoio chinês.

Já um negociador de um país emergente diz que os Brics, e portanto também a China, não aceitarão a Costa Rica no comando da OMC, por causa de sua proximidade com os EUA. Washington, em todo caso, não deve sequer mencionar apoio a candidato no começo das consultas, porque o queimaria imediatamente junto a outros países.

Da Ásia, o candidato da Coreia do Sul, o ministro de Comércio Taeho Bark, terá pouco apoio. Não é considerado "da turma" da cena multilateral de comércio. Além de o país ter a direção da ONU, o presidente do Banco Mundial é de origem coreana. A China também não vai querer um coreano, o que eliminaria sua chance de ficar com um dos quatro cargos de diretor-geral-adjunto.

A candidata forte da Ásia é Mari Pangestu, da Indonésia, que foi deslocada do Ministério do Comércio para o de Turismo e Indústrias Criativas. Ela é conhecida, tem boa reputação e é de origem chinesa. Ocorre que a Ásia já teve um diretor da OMC, o tailandês Supachai Panitchpakdi. O Brasil já avisou que, dessa vez, a vaga é da América Latina ou da África, na prática sinalizando bloqueio a um candidato asiático.

Pelo menos verbalmente, muitos países insistem que a África deveria ter o posto. Nos bastidores, porém, a África é considerada um embaraço político. Países desenvolvidos não querem um africano, por considerar que pode ser mais manipulável.

Mas Alan Kyerematen, de Gana, não deve ser descartado. Vem fazendo campanha há um bom tempo e alega ter apoio do grupo ACP, reunindo países que não cessam de pedir tratamento especial no comércio global. Ele tampouco é um desconhecido: foi o representante dos africanos no "green room", o pequeno comitê decisório da conferência ministerial da OMC em Hong Kong, em 2005. Mas vários países africanos não engolem a maneira como ele conseguiu a indicação da União Africana, que surpreendeu até membros de seu governo. Seu apelido, "Cash", reflete um problema de ética.

A candidata do Quênia, Amina Mohamed, ex-embaixadora na OMC, foi quem conduziu o processo que levou à seleção de Lamy para a direção da entidade. De volta ao Quênia, foi responsável pela redação da nova Constituição do país. No entanto, analistas veem poucas chances para ela, porque, além de terem dois candidatos para a OMC, os africanos também disputarão a direção da Unctad, a agência da ONU para Comércio e Desenvolvimento.

Ahmad Hindawi, da Jordânia, é carta fora do baralho. A única coisa que se sabe dele é que joga basquete. Países árabes hesitam em estragar o apoio com ele.

Quanto ao único candidato de um país rico, o ministro de Comércio neo-zelandês Tim Groser, a questão é sobre quem vai apoiá-lo, além dos próprios desenvolvidos, pelo menos na fase inicial. Além disso, a Nova Zelândia já teve um diretor da OMC, Mike Moore. E a Índia já avisou que o selecionado terá obrigatoriamente que ser de país em desenvolvimento, pelo sistema informal de rotação geográfica.

A expectativa é sobre quem afinal EUA, China e União Europeia vão realmente apoiar. Os europeus parecem mais interessados em garantir um posto de diretor-adjunto, dessa vez para a Alemanha.

Outra questão é sobre quem vai conduzir o show - ou seja, o processo de seleção - dessa vez. Isso está vinculado a quem está na presidência de alguns órgãos da OMC. Significa que serão o embaixador do Paquistão, que quase todo mundo acha fraco, e dois embaixadores de países desenvolvidos.

Os candidatos se apresentarão aos países entre os dias 29 e 31, depois terão fevereiro e março para fazer campanha, em seguida serão feitas rodadas de consultas com os países para apontar seus favoritos, e enfim a escolha deveria estar feita até fim de março.

Para alguns tarimbados negociadores em Genebra, a disputa com nove candidatos poderá abrir maior espaço para qualidades individuais do que para considerações geopolíticas, e um beneficiado seria o candidato brasileiro Roberto Azevedo. Outros observadores acham que na reta final sobrarão três candidatos - da América Latina, da África e da Ásia.

Há dois cenários para a disputa: o cenário normal, em que os candidatos aceitam as regras do jogo, por exemplo, de serem eliminados gradualmente, num processo sujeito a boa dose de subjetividade. E o cenário catastrófico, em que um candidato recusa a derrota e bloqueia o processo. Isso aconteceu na disputa entre Supachai, da Tailândia, e Moore, da Nova Zelândia. Após meses de bloqueio, o mandato foi dividido entre os dois. Eles foram os piores chefes do sistema multilateral de comércio até hoje.