Título: Nenhum avanço à vista
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Fonte: Correio Braziliense, 07/12/2010, Ciência, p. 28

COP-16 entra na segunda semana sem dar mostras de que negociadores conseguirão ir além do que ficou acertado no ano passado, Governo japonês surpreende e assume posição contrária a acordo que reafirme as bases do Protocolo de Kyoto

PALOMA OLIVETO

Depois de uma semana morna, marcada por discursos ideológicos, poucos representantes de peso e nenhuma negociação, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-16) tem até sexta-feira para promover avanços nas discussões que podem ser decisivas para a construção de um acordo pós-Kyoto. Mesmo que o inicio do encontro, na semana passada, não houvesse expectativas de que um documento substituto ao protocolo fosse criado, esperava-se que os negociadores chegassem ao menos a um esboço das questões a serem discutidas no ano que vem, na África do Sul. Apesar da chegada de ministros e alguns chefes de Estado na sexta-feira, Cancun provavelmente não vai terminar melhor do que Copenhague. Pelo contrário, a semana crucial da conferência começou com uma baixa: o anúncio de que o Japão não pretende assinar um acordo vinculante para dar continuidade a Kyoto, cuja primeira fase expira em 2012. O país oriental segue o exemplo dos Estados Unidos, que nunca ratificaram ao acordo e ¿ principalmente agora, com a derrota dos Democratas nas eleições legislativas, devem se esforçar pouco para reduzir emissões de CO2. A avaliação de observadores que participam do encontro é que, até agora, houve o ¿triunfo do estilo sobre a substancia¿. Essa foi a definição de Mohamed Adow, conselheiro sênior da organização não governamental britânica Christian Aid. Um esboço do texto que será apresentado pela presidência do evento ao governo mexicano circulou nos bastidores da COP-16 e não agradou os países em desenvolvimento nem os ambientalistas. ¿Apesar de o texto conter algumas questões interessantes sobre mitigação e financiamento, os países ricos continuavam vinculando esses pontos às demandas que querem ver atendidas por parte das nações mais pobres¿, denunciou Adow, em um texto divulgado à imprensa. A briga dos ricos e pobres vem dando o tom da COP-16. Enquanto os países em desenvolvimento cobram metas mesuráveis, investimentos reais (seja no fundo verde ou no REED+, mecanismo de combate ao desmatamento de florestas) e transferência de tecnologia, os desenvolvidos insistem na idéia de que as nações que experimentam um crescimento econômico mais robusto ¿ o bloco Bric, do qual o Brasil faz parte com Índia, Rússia e China ¿ também precisam provar que cortam emissões de carbono. Algo que as nações em desenvolvimento não aceitam, já que atribuem aos mais ricos danos históricos, originados na Revolução Industrial.

Concessão

Mantendo o mesmo discurso do ano passado, o negociador-chefe americano, Jonathsn Pershing, que chegou a Cancun na sexta-feira, já disse que o sucesso das reuniões vai depender de um ¿equilíbrio¿, no qual ¿americanos, chineses, indianos e brasileiros¿ façam concessões. As provocações entre ricos e países em desenvolvimento quase terminaram com o COP-16 na noite de sábado. Assim como aconteceu no ano passado, quando o bloco dos africanos se recusou a participar das reuniões, emperrando as negociações, representantes da Alba, que inclui Venezuela, Bolívia e Cuba, entre outros, disseram que abandonariam o encontro se não houvesse um documento ¿crucial¿ para substituir Kyoto. Segundo eles, um ¿punhado de países, que não são nem cinco¿, estão bloqueando as negociações. Além dos EUA e do Japão, a Austrália e a Rússia seriam os outros dois. A negociadora da Dinamarca, Connie Hedegaard, criticou as brigas políticas: ¿Viemos aqui para negociar, não para reiterar as posições nacionais¿, afirmou. Procurado aparar as arestas, o governo mexicano garante que Cancun não será o fracasso de Copenhague. ¿Precisamos continuar trabalhando com um senso de urgência. Estou otimista de que vamos conseguir avançar muito rápido nos próximos dias¿, afirmou a ministra de Relações Exteriores, Patrícia Espinosa. Ela também garantiu total transparência na divulgação do documento final. No ano passado, reuniões a portas fechadas durante a madrugada, encabeçadas pelo presidente americano Barack Obama, terminaram no ¿Acordo de Copenhague¿, um documento de duas páginas, sem força jurídica, que desagradou os países em desenvolvimento e frustrou os ambientalistas.