Título: Trocas no Mercosul sem dólar começam com vendas à vista
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2007, Brasil, p. A3

O comércio em moeda local entre Brasil e Argentina, no início, beneficiará apenas as vendas feitas à vista. O governo estima que entre 15% e 20% das trocas bilaterais serão realizadas em pesos ou reais. Os diversos órgãos envolvidos estão finalizando os últimos detalhes do mecanismo, que será chamado de Sistema de Moeda Local (SML), informou o secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Mário Mugnaini, ao Valor.

Na prática, as vendas à vista no comércio exterior significam uma internalização da moeda em cerca de 210 dias. As vendas financiadas estão atreladas ao dólar e ao spread bancário, o que vai requerer estudos mais aprofundados do governo para tentar incluí-las no sistema.

Segundo José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), as vendas à vista representam parcela razoável de operações, principalmente de pequenas e médias empresas. As grandes operações, como de veículos e autopeças, costumam ser feitas com financiamento.

Mugnaini explica que as empresas argentinas interessadas em comprar produtos brasileiros terão duas opções para pagar diretamente em reais. A primeira alternativa é abrir uma conta no Brasil em reais. A legislação brasileira permite que empresas estrangeiras tenham contas em reais no país.

Para as empresas que não tenham conta no Brasil, bastará recorrer a um banco comercial argentino, informando a necessidade de pagar uma fatura em reais em uma conta no Brasil. O banco recorrerá ao Banco Central argentino, que providenciará a troca de pesos para reais. Ou seja, a operação ocorrerá sem necessidade de utilizar o dólar.

Os BCs de Brasil e Argentina farão um "clearing diário" das operações a uma taxa de câmbio que será baseada no dólar e arbitrada pelos dois países. Ainda não está definido como brasileiros e argentinos vão equilibrar essa conta. Técnicos dos BCs estão estudando o assunto.

Por ter superávit com a Argentina, o Brasil, provavelmente, terá sobra de pesos no final das operações. Em 2006, a corrente de comércio entre os dois países somou US$ 19,8 bilhões, com superávit para o Brasil de US$ 3,7 bilhões. Caso 15% das vendas sejam feitas em moeda local, como espera o governo, o Brasil poderá acumular cerca de US$ 550 milhões de reservas em peso em um ano.

De acordo com Mugnaini, o governo estima que as trocas em moeda local reduzirão em cerca de 3% os custos das operações bancárias das empresas. "É um simplificador", diz. O compromisso de desdolarizar o comércio entre os dois principais sócios do Mercosul foi selado em dezembro de 2006, pelo ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, e a ministra da Economia da Argentina, Felisa Miceli.

Segundo Mugnaini, o processo de adoção do Sistema de Moeda Local será iniciado com uma resolução Camex, a ser publicada no final deste mês, depois de uma reunião do órgão. "Será o gatilho para que cada setor do governo faça o seu ajuste", diz. Ele explica que os técnicos fizeram um pente-fino em todas as portarias que devem ser alteradas, e em junho, ou no máximo julho, as trocas em reais e pesos já serão possíveis.

É a primeira vez que a Camex fará uma resolução sobre câmbio, o que era uma atribuição do Banco Central. Isso é possível, porque a nova lei cambial, que flexibilizou o prazo para internalização de 30% da receita dos exportadores, transferiu do BC para a Receita Federal a regulamentação do ingresso de divisas.

Dessa maneira, o regime de trocas em moeda local entre Brasil e Argentina pode ser regulamentada pela Camex, que ganha força. No decreto de criação do órgão, ficou estabelecido que a Camex cuidaria de todos os registros de operações de comércio, salvo as atribuições do Banco Central. Logo, a Camex também pode agora cuidar do câmbio.

Os exportadores estão preocupados com essa transferência do controle do ingresso de divisas do Banco Central para a Receita Federal. Segundo eles, o O BC tinha postura educativa e o acesso é mais fácil, já a Receita tem uma postura arrecadatória. Eles temem a aplicação de multas pela Receita, que podem até ser questionadas pelas empresas, mas implicarão custos jurídicos.

O governo deve organizar workshops para os bancos a fim de explicar o funcionamento do sistema, mas acredita que a adaptação não será complicada. Na primeira fase, as trocas em moeda local ficarão restritas entre Brasil e Argentina. Mas, posteriormente, o sistema pode ser ampliado para outros países.

Mugnaini já pediu demissão ao novo ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, que procura um substituto. Mas ele permanece no cargo até o fim do mês e presidirá a próxima reunião da Camex, prevista para o dia 25 de abril, quando o assunto da desdolarização do comércio Brasil e Argentina será abordado. (RL)