Título: BC precisa mudar forma de atuação no câmbio, diz Eris
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2007, Brasil, p. A4

O ex-presidente do Banco Central (BC) Ibrahim Eris diz que o câmbio passa por um período prolongado de valorização exagerada, mas decorrente de fatores não permanentes - como o nível elevadíssimo dos juros, a diferença entre o crescimento do Brasil e do resto do mundo, os preços muito altos das commodities, a baixíssima aversão ao risco no mercado internacional e a forte expansão dos gastos públicos. Para Eris, essas variáveis acabam por manter o real fora de seu valor de equilíbrio por bastante tempo, porém não vão durar para sempre.

Nesse cenário, diz ele, é fundamental que o BC aja de modo mais eficaz para interferir no processo de "undershooting" (que leva o dólar a um valor mais baixo que o de equilíbrio), porque o câmbio não é um preço como qualquer outro. Segundo Eris, a atuação tem que ser mais imprevisível, para tornar mais arriscadas as operações que visam aproveitar as diferenças entre os juros internos e externos. "Às vezes, o mais importante não é tanto quanto se compra, mas como se compra."

Eris ressalta que "câmbio não é como banana". "É um dos preços mais importantes da economia. Se ele ficar fora do lugar por um tempo prolongado, afeta decisões de investimento importantes, que podem impor custos extremamente elevados para uma economia, seja em termos de emprego, seja em termos de balanço de pagamentos", aponta ele. "O câmbio fora do equilíbrio por dois ou três anos pode ter um impacto de uma década sobre a economia."

Eris acredita que há espaço para o BC deter a valorização do câmbio, embora ressalte que a tarefa não é fácil, dada a magnitude dos fluxos de dólares. O principal problema que ele identifica na atuação da autoridade monetária é o excesso de previsibilidade. Hoje, o BC compra dólares sempre por volta do mesmo horário, no meio da tarde, adquirindo o excesso de moeda que sobra nas mãos dos bancos. "Em princípio, o preço deveria ficar constante, porque a demanda se iguala à oferta", diz ele, notando que os bancos, em tese, poderiam vender suas sobras de dólares ao BC a um preço próximo do fechamento da véspera. Mas Eris nota que, como se trata de mercado com múltiplos participantes, quem vende primeiro obtém um preço melhor, o que leva os bancos a não segurar o excesso de dólares à espera da atuação do BC. Com isso, a moeda segue em baixa, apesar de a instituição comprar todos os dias a sobra de moeda ou até um pouco mais do que isso. De janeiro a março, o BC comprou de US$ 21,7 bilhões e mesmo assim a moeda caiu.

O ex-presidente do BC diz que a padronização da atuação do BC tirou a volatilidade do câmbio, o que facilita a vida de quem quer aproveitar o diferencial entre os juros internos e externos. Segundo ele, um diferencial de 10% com uma volatilidade de câmbio alta pode ser menos atrativo do que um diferencial de 5% com volatilidade baixa. Do modo que o BC intervém, o risco de que uma eventual variação do câmbio possa anular o ganho que se obtém com o diferencial do juros praticamente desaparece.

Para mudar esse quadro, é necessário introduzir algum risco nessa operação, diz Eris. O ex-presidente do BC admite que fazer isso "é mais arte do que ciência", mas considera que é possível. "O horário e a freqüência da atuação podem ser mudados todo dia", sugere, lembrando que o BC também pode comprar a moeda a uma cotação um pouco superior à que esteja vigorando naquele momento. Outra opção é atuar duas vezes no mesmo dia. "Essas incertezas já trariam alguma volatilidade aos mercados. Várias coisas podem ser feitas, e o BC vai descobrir qual é a mais eficaz ao longo do tempo."

Reduzir os juros mais rapidamente também ajudaria nesse processo. "Negar que o diferencial dos juros influencie o câmbio é negar que dois mais dois seja igual a quatro", afirma ele, que vê excesso de conservadorismo na política monetária. Juros mais baixos ainda diminuiriam o custo fiscal da acumulação de reservas.

Atuar nos mercados de derivativos também poderia ser eficaz, mas a problema é que é delicado para o BC atuar neles, diz ele. A questão é que se poderia levantar dúvidas quanto à transparência e até mesmo à lisura das operações. Fazer mais leilões de swaps reversos (nos quais o BC vende papéis em que fica credor em dólar e devedor em reais) é uma alternativa.

Para Eris, os principais fatores que provocam o "undershooting" são transitórios. O primeiro é o elevado diferencial entre os juros externos e internos. "Nem os economistas mais ortodoxos vão dizer que a diferença entre as taxas do Brasil e do resto do mundo nos últimos anos é de equilíbrio."

O crescimento brasileiro bem mais baixo do que o da economia global também contribui para derrubar o dólar, diz Eris. O Brasil exporta mais e importa menos do que se crescesse a um ritmo mais próximo da média global, o que empurra para cima o saldo comercial. Uma diferença de crescimento entre o Brasil e o mundo tão expressiva não será eterna, diz ele.

O terceiro fator é o preço elevado das commodities, fruto de um mundo que cresce a taxas robustas há vários anos. Com a incorporação da China e da Índia à economia global, as commodities devem de fato operar num patamar mais alto do que no passado, mas isso não significa que vão ficar nas alturas para sempre, avalia Eris. Quando o mundo crescer a taxas menores, os preços devem ter algum recuo.

A quarta variável é a reduzida aversão ao risco nos mercados internacionais. Isso aumentou a busca por rentabilidade por parte dos investidores, num momento em que a moeda e a bolsa brasileiras aparecem como uma das principais estrelas entre os mercados emergentes, diz Eris. A questão é que a aversão ao risco não continuará baixa indefinidamente, o que significa que os fluxos para os emergentes não serão tão elevados como nos últimos anos.

O aumento significativo dos gastos públicos também leva à valorização do câmbio, segundo Eris. As despesas do governo se concentram nos bens não-comercializáveis, o que também induz a um real mais forte, diz Eris. Mais um fator transitório aí, avalia ele, porque o ritmo de expansão de gastos públicos, que exige uma carga tributária estratosférica como contrapartida, é insustentável no longo prazo.

Por tudo isso, Eris considera que é necessário o BC atuar para interferir na trajetória do câmbio, lembrando ainda que competidores diretos, como China e Argentina, mantêm suas moedas desvalorizadas. "A pergunta relevante é se o câmbio atual é de equilíbrio ou não. Se for, não há BC que resolva o problema, e a economia brasileira terá que mudar de feição. A vantagem comparativa vai ser ligada à exportação de commodities e a setores da indústria ligados às commodities", afirma ele. A questão, diz Eris, é que, se esse movimento não for permanente - como ele acredita que não é - o câmbio valorizado vai destruir indústrias que, daqui a cinco anos, por exemplo, poderão ser viáveis de novo. Para Eris, ser ortodoxo, nesse caso, é tentar evitar a valorização excessiva do câmbio, e não adotar "uma postura voluntarista, audaciosa, de que o mercado resolve tudo".