Título: Entendendo o mistério dos juros altos
Autor: Bacha, Edmar e Holland, Márcio
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2007, Opinião, p. A16

De acordo com padrões estatísticos internacionais, a taxa real de juros para o Brasil situa-se entre 5,5% e 7,5% ao ano. Sua média na última década foi próxima a 6,5% ao ano. Se a esse valor somarmos uma taxa de inflação que está convergindo para 4%, obtemos uma taxa de 10,5%. Hoje, esta seria a estimativa da taxa-meta de juros nominais para o Brasil - portanto, 2,25 pontos percentuais menores do que a atual taxa Selic.

Essa é uma das conclusões de um texto que escrevemos junto com Fernando M. Gonçalves, sobre os determinantes das taxas reais de juros em países emergentes e industriais ("Is Brazil Different? Risk, dollarization, and interest in emerging markets". Disponível nos sites da Casa das Garças e da Escola de Economia da FGV/SP).

Usando um painel de 66 países no período de 1996 a 2004, mostramos que os principais determinantes de altas taxas reais de juros são os riscos de diluição inflacionária e de calote da dívida. Capturamos empiricamente tais riscos pela volatilidade e a aceleração da inflação, bem como pelo tamanho da dívida pública, a classificação de risco do país e sua renda per capita. Descobrimos ainda, que, quando os residentes de um país têm acesso a contas em dólar (um fenômeno relativamente comum em países emergentes), a taxa real de juros na moeda nacional é mais baixa. Restrições aos depósitos em dólares, controles de capitais e qualidade jurisdicional também são integradas ao estudo. Deste modelo empírico, extraímos uma série de taxas reais de juros estimadas para o Brasil, no período de 1996 a 2006. As taxas estimadas são assim aquelas compatíveis com os padrões internacionais, dadas as características de risco do país.

Antecipamos, pois, que o Banco Central poderá continuar a reduzir a taxa Selic até atingir o nível de 10,5% nominais (ou 6,5% reais) em 2008. De acordo com nossos achados, reduções adicionais dependerão principalmente de o país conseguir o grau de investimento nas agências internacionais de classificação de risco. Quando isto ocorrer, a taxa real estimada de juros cairá de 6,5% para 4,5%, com tendência adicional de queda em anos posteriores.

-------------------------------------------------------------------------------- Um banqueiro central prudente deve se guiar na fixação da Selic pelo maior valor entre a inflação observada e a esperada --------------------------------------------------------------------------------

Trata-se de uma grande novidade pois, apesar de a taxa real estimada para o Brasil ter-se mantido entre 1996 e 2006 quase sempre no intervalo entre 5,5% e 7,5%, a taxa real praticada foi muito mais alta do que isso, conforme se verifica no gráfico. Em particular, no período de câmbio administrado, de 1996 a 1998, caracterizado por fortes e sucessivas crises de financiamento externo, as taxas reais de juros praticadas foram até três vezes superiores aos valores estimados por nosso modelo.

Mesmo após a introdução, em 1999, do regime de metas inflacionárias com câmbio flutuante, a taxa real de juros praticada esteve sempre mais alta do que o valor estimado, exceto em 2002. Inicialmente, isso se deveu à necessidade de conter a explosão inflacionária após a maxidesvalorização de janeiro de 1999. Posteriormente, a aguda depreciação cambial que antecedeu o acesso de Lula ao poder forçou a adoção de uma política monetária restritiva em 2003. Finalmente, a reação do Banco Central à piora das expectativas inflacionárias em 2004 teve como resultado taxas elevadas em 2005.

Para melhor entender o comportamento das taxas que denominamos de praticadas, é preciso atenção especial à forma como as calculamos. Até 1999, trata-se simplesmente da taxa Selic ajustada pela inflação no ano, medida pelo IPCA. A partir de 2000, entretanto, a taxa real praticada é uma inferência nossa sobre o valor da taxa-meta de juros reais do Banco Central, sendo esta meta definida como o menor valor entre: 1) a taxa Selic ajustada pela inflação no ano e 2) a taxa Selic ajustada pela expectativa de mercado (em dezembro do ano anterior) para a inflação no ano.

Com esse procedimento, procuramos captar o objetivo do Banco Central de domar as expectativas adversas que prevaleceram desde o início da década. Ou seja, se a expectativa é conservadora (mais alta do que a inflação corrente), calculamos a taxa-meta de juro real do Banco Central (ou seja, a taxa real praticada no gráfico) deduzindo a expectativa de inflação da taxa Selic acumulada no ano. Isso se aplica aos anos 2000 e 2003 a 2006. Se, ao contrário, a expectativa de inflação é menor do que a inflação observada, supomos que o Banco Central a ignore e, assim, calculamos sua taxa-meta de juro real deduzindo a inflação observada da taxa Selic no ano. Isso vale para 2001 e 2002. Entendemos ser essa uma boa regra para um banqueiro central prudente: sempre se guiar na fixação da taxa Selic pelo maior valor entre a inflação observada e a inflação esperada. Dessa forma, a partir de 2000, as diferenças positivas que se observam no gráfico entre as taxas reais de juros praticadas e as estimadas denotam uma cautela ainda maior do que nossa regra de prudência ou uma forma de gradualismo não capturada por nosso modelo.

Apesar de todos essas dificuldades, há uma convergência das taxas praticadas para as estimadas, conforme sugere o gráfico. É por isso que antecipamos que a política monetária possa continuar a distender-se, até o limite de 10,5% ao ano, que é pertinente ao conjunto de riscos sistêmicos do país, supondo a inflação estabilizada em 4% ao ano. Reduções ulteriores dos juros dependerão da disposição do governo em promover a consolidação fiscal requerida para o país alcançar o grau de investimento.

Edmar Bacha é diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças, Rio de Janeiro.

Márcio Holland é professor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, do IE/UFU e Pesquisador CNPq.