Título: Brasil diverge sobre criação do Banco do Sul
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2007, Finanças, p. C3

O governo brasileiro decidiu participar da criação de uma nova agência multilateral de financiamento na região, o Banco do Sul. Mas as condições que o país apresentou para entrar na conversa deverão complicar bastante as negociações e poderão levar o projeto para um caminho bem diferente do imaginado pelos seus principais defensores.

A idéia de criar o Banco do Sul foi lançada no fim de fevereiro pelos presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e da Argentina, Néstor Kirchner. Seu objetivo é criar uma instituição que ajude os países da região sem impor condições como as que acompanham os empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras agências multilaterais.

Os contornos do projeto ainda são muito imprecisos e ele foi recebido com ceticismo e desconforto em Brasília. Mas nas últimas semanas Bolívia, Equador e Paraguai manifestaram entusiasmo pela proposta e o governo brasileiro percebeu que teria problemas com os vizinhos se não participasse das discussões.

A decisão de entrar na conversa foi anunciada no sábado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, num intervalo da reunião semestral do FMI e do Banco Mundial. O governo vê o banco como um instrumento de integração regional, segundo ele. "Finalmente teremos um banco onde o poder de decisão será nosso", disse ontem.

Mas ele deixou claro que a iniciativa só irá para frente se forem atendidas várias condições que não estão previstas no memorando em que Chávez e Kirchner apresentaram suas intenções. Mantega disse que será preciso "rasgar aquele e fazer outro termo de compromisso".

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve formalizar sua adesão ao projeto nesta semana. Ele se encontrará hoje e amanhã com Chávez, Kirchner e os presidentes dos outros países da região em Isla Margarita, uma ilha na costa da Venezuela que sediará uma reunião para discutir a integração na área energética.

A principal condição apresentada por Mantega é que o banco seja voltado apenas para o financiamento de projetos de desenvolvimento, como estradas e hidrelétricas. Chávez e Kirchner gostariam que ele também pudesse ajudar os países-membros a se defender contra crises financeiras e turbulências no mercado, o papel que o FMI costuma exercer. O Brasil é contra isso.

Segundo Mantega, o Brasil deseja também que o controle do banco seja dividido igualmente entre os sócios do banco, assim como as contribuições para seu capital. Se a sugestão passar, ela reduzirá de forma significativa o tamanho da instituição, por causa das diferenças entre o Brasil e as outras economias da região.

Chávez e Kirchner disseram que gostariam de ter US$ 7 bilhões no cofre do banco. Mantega não falou em números, mas indicou que o Brasil não está disposto a pôr a mão no bolso. "Quantias altas inviabilizariam uma igualdade de condições no banco", afirmou. "A idéia é que não seja nem um banco venezuelano nem um banco brasileiro", disse.

O ministro também avisou que o Brasil gostaria de ver o banco como uma instituição vinculada ao Mercosul, o bloco regional liderado pelo país. E disse que o prazo de 120 dias estabelecido pelo memorando de Chávez e Kirchner para constituir o banco não é viável. As discussões técnicas e políticas serão tão complicadas que ele acha necessário pelo menos um ano.

Uma questão crucial é definir a forma como o capital do Banco do Sul será constituído. Uma das idéias que tem circulado prevê o uso de pelo menos uma parte das volumosas reservas internacionais acumuladas pelos países da região nos últimos anos. Mas este seria um movimento de altíssimo risco para os sócios do banco e no caso brasileiro não poderia ser efetuado sem mudar a Constituição.

É cedo para saber para quê servirá o banco, mas Mantega sugeriu ontem que uma possibilidade seria usá-lo para dar garantias que outros países poderiam usar para tomar empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Outras agências multilaterais não dão garantias desse tipo, afirmou.

Muitos defensores do Banco do Sul acham que ele pode servir como uma espécie de substituto do FMI na região, mas a idéia não parece assustar ninguém no Fundo. Mesmo que o banco tenha dinheiro para tornar dispensável o socorro financeiro do FMI, dificilmente ele teria a capacidade que o Fundo tem de melhorar a percepção dos mercados internacionais sobre países em dificuldade.

Há uma semana, o diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato, se referiu de maneira irônica sobre o Banco do Sul durante uma discussão sobre as reformas no Fundo, no Instituto Peterson para a Economia Internacional. "Acreditar que um país vai pôr dinheiro público no bolso de outro sem pedir ao país beneficiário mudanças em suas políticas não é muito realista", afirmou Rato.