Título: Argentina frustra início de operação de usina térmica
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2013, Brasil, p. A3

À espera de um ato legal do governo argentino, a usina termelétrica de Uruguaiana (RS) não será mais religada nesta semana, frustrando a expectativa inicial das autoridades brasileiras e da empresa responsável por sua operação. A reativação da usina, após quatro anos sem gerar um único megawatt, estava prevista para o dia 15 de janeiro. Sem gás, não pôde ser acionada anteontem - nem mesmo para testes - e deverá voltar a funcionar só a partir do fim do mês, na melhor hipótese.

Em dezembro, o Ministério de Minas e Energia determinou a reativação da termelétrica, em caráter "excepcional e temporário". Administrada pela AES Brasil, ela tem 639 MW de capacidade instalada e está desativada oficialmente desde abril de 2009, devido à suspensão no fornecimento de gás natural pela Argentina.

Para poupar os reservatórios de hidrelétricas e reforçar o abastecimento da região Sul neste verão, quando o consumo residencial aumenta por causa dos aparelhos de ar-condicionado e é preciso bombear água para as plantações de arroz, a Petrobras foi incumbida de providenciar o gás natural liquefeito (GNL) a ser usado na térmica de Uruguaiana.

O combustível, depois de levado a um porto argentino - provavelmente Bahía Blanca ou Escobar -, passará por um processo de regaseificação e entrará na malha de dutos do país vizinho até chegar à fronteira com o Brasil. Procurada, a estatal informou que já tem disponível o GNL necessário e aguarda a definição do porto para o descarregamento.

Na realidade, um processo burocrático impede que isso ocorra, de fato. Para usar o sistema local de gasodutos, até entrar na rede da distribuidora gaúcha Sulgás, que levará o insumo à térmica, é preciso fazer um termo aditivo ao memorando de entendimentos firmado entre Brasil e Argentina para o intercâmbio de energia. Em seguida, o governo argentino ainda deverá publicar um decreto, autorizando formalmente a "exportação" de gás da Petrobras para o lado brasileiro.

O ministro argentino do Planejamento, Julio De Vido, e o secretário de Energia, Daniel Cameron, já foram contactados por autoridades de Brasília para acelerar a remoção dessas pendências.

O governo brasileiro aguarda o sinal verde de Buenos Aires para, então, mandar um navio da Petrobras aportar na costa argentina, com GNL suficiente para abastecer a térmica de Uruguaiana durante 60 dias. A intenção é fazer isso até o dia 25, já que existe uma "janela de ociosidade" na rede argentina, o que permitiria jogar no sistema o combustível da Petrobras para chegar à Sulgás.

Assim que o gás alcançar as portas da usina, segundo a AES, a térmica passará por um ou dois dias de testes. Os equipamentos já estão preparados. Depois, ainda será necessário aguardar mais uma semana para a retomada efetiva da operação comercial.

Com tudo isso, é provável que a usina só passe a reforçar o sistema elétrico, ajudando a economizar água dos reservatórios, no início de fevereiro. O governo brasileiro tenta evitar mais perda de tempo e corre para que a térmica esteja funcionando normalmente até o dia 31. Por isso, os contatos diretos com De Vido e Cameron nas últimas semanas, ainda sem solucionar a questão.

Em um primeiro momento, a usina vai consumir 1,2 milhão de metros cúbicos por dia de gás natural para mover uma de suas três turbinas, produzindo 164 MW. No mês passado, o diretor de gestão e comercialização de energia da AES Brasil, Ricardo Cyrino, havia dito ao Valor que sua expectativa era retomar a operação comercial da térmica em 15 de janeiro. Era essa também a tentativa do governo.

Em março, a térmica terá condições de operar com plena capacidade, com duas unidades a gás e uma a vapor, totalizando 494 MW. A diferença em relação aos 639 MW de capacidade nominal se deve às condições de oferta, temperatura e pressão do gás.

Os reservatórios das hidrelétricas na região Sul alcançaram, na terça-feira, 49,4% de sua capacidade total. É uma folga de 20 pontos percentuais sobre o limite mínimo de segurança, mas um nível abaixo do verificado em igual período do ano passado.