Título: Governo evita avanço do projeto do Banco do Sul
Autor: Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2007, Brasil, p. A4

O governo brasileiro conseguiu evitar que a Cúpula de Energia Sul-Americana de Energia, na Venezuela, isolasse o país e se convertesse numa oportunidade para transformar em fato consumado o projeto de criação do Banco do Sul proposto pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez. Delegações de cinco países discutiam há semanas um texto de "convênio constitutivo" para formação do banco, nos moldes sugeridos por Chávez.

O ministro da Bolívia, Luis Arce Catacora, chegou a prever a assinatura e adesão formal, ao documento, do Paraguai e do Equador, durante a cúpula. À margem da discussão, o governo brasileiro aproveitou a visita do presidente do Equador, Rafael Correa, ao Brasil, no início do mês, para começar a desmontar esse cenário.

"É preciso definir se esse Banco do Sul tem a finalidade do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial ou do BNDES", comentou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no encerramento da reunião, na ilha venezuelana de Margarita, após ter êxito em evitar que o tema constasse das discussões entre os presidentes e do documento final do encontro. "Temos que definir qual é a finalidade do banco, para depois saber se convém participar ou não."

O Brasil, com ações de bastidores, conseguiu ser incorporado às discussões sobre o Banco do Sul e fazer as discussões voltarem ao início. O governo tentará convencer os parceiros no continente a dar prioridade ao mapeamento das linhas, fundos e instrumentos financeiros já existentes na região, para dar maior eficiência aos recursos disponíveis, no financiamento ao desenvolvimento - e deixar para mais longo prazo a formação de uma instituição nova na América do Sul. Segundo anunciaram as autoridades venezuelanas à imprensa local, a próxima reunião técnica sobre o banco será em uma cidade brasileira.

Preocupado com o ritmo a toque de caixa imposto por Chávez às discussões do Banco do Sul, o governo do Brasil já havia manifestado, por intermédio do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e do assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, insatisfação com o alijamento do país nas discussões. Durante a visita do presidente equatoriano, o governo brasileiro obteve apoio de Correa para revisão das discussões do Banco do Sul. Na semana passada, durante a reunião do FMI, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deu o ultimato brasileiro, em reunião com representantes dos governos envolvidos, no gabinete da diretoria da Argentina, no FMI.

Correa, na passagem pelo Brasil, insistiu na necessidade de se criar uma instituição, com recursos de reservas internacionais dos países da região, que sirva de emprestador de última instância, como o FMI e o Banco Mundial, mas sem o mesmo tipo de exigências e condicionalidades das duas instituições. Mas concordou que a criação de uma instituição do gênero, ou de uma alternativa, dedicada a financiar programas de desenvolvimento, exige discussão mais profunda entre os ministros de Finanças da região. Esse foi um dos pontos enfatizados por Mantega, na reunião com os outros ministros, na semana passada.

Mantega fez um discurso duro em Washington. Afirmou que o Brasil estava descontente com a condução das negociações para o Banco do Sul, afirmou que o país se negaria a participar como mero observador, lembrou o papel importante do país como financiador (e não tomador de empréstimos) na região e anunciou que o governo brasileiro não aceitaria um contrato de adesão. Cobrou um convite formal ao presidente Lula e exigiu que as discussões fossem reiniciadas, para que o Brasil participasse desde o começo das definições do futuro banco.

O discurso de Mantega recebeu reações positivas. O representante da Venezuela, um funcionário menos graduado do ministério das Finanças, falou em "mal-entendido", e a anfitriã do encontro, a ministra de Economia da Argentina, chegou a comentar que não haveria problema em retardar "alguns meses" a criação do banco, se isso fosse condição necessária para a participação do Brasil. Outro participante garante que os países querem um "banco da América Latina", e não um "banco de Chávez".

Chávez segue firme, porém, em seu projeto de ter o Banco do Sul em pleno funcionamento no segundo semestre, ainda que não esteja claro que recursos financiarão as atividades da instituição. Na noite de segunda-feira, segundo divulgou o governo venezuelano, o ministro de Finanças da Venezuela, Rodrigo Cabezas, saudou a entrada do Brasil na discussão.

Mas Chávez também deu declarações. Ele previu a conformação do Banco do Sul em 64 dias, segundo compromisso assumido com o governo argentino. Nesse prazo, segundo Chávez, deverá ser criado um plano de ação com indicações do futuro estatuto do banco, plano de execução para os próximos cinco anos, programa de captação de recursos e previsão de capital inicial. (Com agências noticiosas)