Título: País pode ter déficit de US$ 1,5 bi com a China, o primeiro desde 2000
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2007, Brasil, p. A5

O Brasil deve amargar déficit de US$ 1,5 bilhão com a China em 2007, conforme estimativa do Conselho Empresarial Brasil - China (CEBC). De outubro de 2006 a março de 2007, o saldo negativo está em US$ 916 milhões. E mesmo no acumulado de 12 meses até março, o país já registra déficit de US$ 51 milhões com os chineses. Será o primeiro resultado negativo desde 2000. No ano passado, o Brasil acumulou superávit de US$ 410 milhões com a China, bem inferior ao recorde de US$ 2,3 bilhões em 2003. Embora as exportações brasileiras para o gigante asiático estejam crescendo 20% no primeiro trimestre deste ano, as importações avançam 50%.

"A vida não vai melhorar. Só vai ficar mais dura", alerta Ernesto Heinzelmann, presidente do conselho e da Embraco, uma das maiores fabricantes de compressores do mundo, que possui fábrica na China. O empresário se refere à concorrência com os chineses. No seminário "Desafios Emergentes", que começou ontem e termina hoje em São Paulo, organizado pelo CEBC, Arthur Kroeber, diretor da Dragonomics Research & Advisory, previu que a China, que responde hoje por 7% da produção industrial, deve chegar a 20% em 2040.

"Os países precisam aprender a dançar com o dragão", disse Weran Jian, diretor e professor de ciência política do Instituto da China da Universidade de Alberta, no Canadá. Segundo Rodrigo Tavares Maciel, secretário-executivo do CEBC, os chineses fizeram seu dever de casa, porque, enquanto compravam commodities do Brasil, aprenderam a vender produtos manufaturados. Ele afirma que agora os brasileiros precisam aproveitar nichos de mercados e vender manufaturas aos chineses.

Apesar do déficit previsto, Maciel avalia que a China, por enquanto, está apenas deslocando fornecedores tradicionais, como Estados Unidos, União Européia e Argentina, do mercado interno brasileiro. "O principal problema é a concorrência no exterior", diz.

A indústria de calçados é um exemplo. Enquanto a produção brasileira chega a 795 milhões de pares, a importação está em apenas 17 milhões. Desse total, 13,8 milhões são chineses. Em compensação, a China está deslocando o Brasil do mercado argentino. A participação dos sapatos brasileiros no principal sócio do Mercosul caiu de 74% em 2004 para 58% em 2006. Já a fatia da China aumentou de 17% para 26%. Situação similar ocorre em têxteis ou máquinas e equipamentos.

Maurício Moreira Mesquita, economista sênior do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), diz que existe uma complementariedade importante entre as economias de China e América Latina, por conta da capacidade do continente de fornecer as commodities que a China precisa. Entre 2000 e 2006, as exportações da América Latina para a China cresceram 47% ao ano, enquanto para o resto do mundo as vendas da região avançaram 9%. Os países do Mercosul e o Chile, que concentram recursos naturais e plantações agrícolas, responderam por 85% das exportações para a China. Mesmo assim, a América Latina ainda representa apenas 3,8% das importações totais da China e 13,1% das importações de produtos primários.

Já a China possui muitas vantagens na hora de vender produtos manufaturados para a América Latina, como recursos humanos, produtividade, escala e o papel do Estado. No ano passado, 109 milhões de pessoas trabalhavam na indústria chinesa, contra 14 milhões nos Estados Unidos e 9 milhões no Brasil. Segundo cálculo do BID, o salário na China é 1/3 do Brasil e 1/5 do México. Entre 1990 e 2004, a produtividade do trabalho na China cresceu 7% ao ano.

"Por conta da escala da produção chinesa, o custo de transporte e a geografia quase não são mais uma vantagem para a América Latina", afirma Mesquita. Cerca de 11,7 mil km separam Xangai de Los Angeles, enquanto a Terra do Fogo, no extremo sul da Argentina, está a 8 mil km de Miami. Apesar da diferença, o preço do frete é praticamente o mesmo dado o volume de produtos, diz o economista. Um navio demora 24 dias para chegar da China aos portos dos Estados Unidos. Por conta da falta de escala, um navio vindo da América do Sul é obrigado a parar em diversos portos e também demora 21 dias no trajeto.

"O papel do Estado não explica o milagre chinês, mas não dá para ser ignorado", diz Mesquita. Por serem estatais, as empresas chinesas têm oferta ilimitada de crédito. O país gasta hoje 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em subsídios para pesquisa e tecnologia.

Para o coordenador de política econômica da Universidade Nacional Autônoma do México, Enrique Dussel Peters, "o Brasil terá problemas muito similares aos do México em cinco anos". A China é o segundo maior parceiro comercial dos mexicanos, atrás dos EUA, mas vende ao país US$ 25 bilhões, enquanto importa apenas US$ 1,6 bilhão. Os dois países são importantes produtores de manufaturados e concorrem diretamente. A China deslocou o México em terceiros mercados, principalmente nos EUA. Em computadores pessoais, por exemplo, os chineses hoje já fornecem 50% dos PCs comprados pelos americanos. Ao contrário do Brasil, o México não possui recursos naturais importantes para oferecer aos chineses.